A velhinha do Sex Shop

Por Sonia Castro Lopes 

Caía uma chuva fina e eu caminhava por Copacabana à procura de um táxi quando me deparei com o centro comercial mais antigo das redondezas, ali na esquina da Avenida Copacabana com Siqueira Campos. Viajei no tempo e lembrei-me da época em que ia à praia de ônibus e não tendo paciência para chegar a Ipanema – a princesinha do mar de minha adolescência – ficava por ali mesmo me torrando ao sol do posto 4.

Copacabana já andava meio decadente e não havia shoppings como os de hoje. Como boa menina da zona norte, eu juntava os restinhos de mesada, dinheirinho ganho no natal e no aniversário para fazer compras naquele centro comercial onde havia lojas com roupas descoladas a bom preço.  Quantas mini-saias, mini-blusas, calças saint-tropez comprei ali para usar nas festinhas de fim de semana… Assim que era possível lá ia eu com as amigas do colégio a bordo do ônibus 416 gastar meus cobres em Copa numa alegria infinita, verdadeira festa de consumo que se repetia ao menos duas ou três vezes por ano.

Hoje o velho shopping está irreconhecível, repleto de lojas que vendem tudo a 1,99, modestos ‘salões de beleza’, estabelecimentos que oferecem cosméticos e artigos para cabeleireiro, roupas e bijuterias baratas, um verdadeiro camelódromo. Curiosa e com tempo sobrando resolvi fazer uma excursão aos andares superiores.

Mal cheguei à sobreloja, dei de cara com uma sex shop. A porta de vidro jateado impedia a visão no interior da loja, mas no exato momento em que eu estava passando ela se abriu e de lá saiu um homem que, num gesto cordial, manteve a porta aberta à espera que eu entrasse. Pude, então, ver uma cliente realizando o pagamento de suas compras e, por trás do balcão, uma senhorinha que julguei ser a vendedora.

Não vou mentir aos leitores. Sempre tive curiosidade de conhecer esse tipo de loja, mas nem em Amsterdam onde visitei o Red Light District me atrevi a tal, apesar da visita que fiz ao Museu Erótico. Em Buenos Aires, ali pela altura da Corrientes e mesmo em Paris, nas proximidades do Moulin Rouge, ao pé de Montmartre, eu as olhava de soslaio, curiosíssima, mas por falta de companhia ou incentivo, nunca visitei nenhuma, me contentando apenas em apreciar as vitrines.

Voltando à sex shop da Siqueira Campos. A senhorinha, que aparentava uns sessenta e muitos, talvez setentanos, parecia ser a vendedora, gerente, ou mesmo a dona da loja. Cheguei a essa conclusão pelo desembaraço com que manipulava notas fiscais e outros documentos que se encontravam sobre a escrivaninha que ocupava bem atrás do balcão. Ao perceber minha presença, perguntou polidamente: Posso ajudá-la? Visivelmente constrangida, apontei para uns objetos que estavam numa estante atrás da mesa.

— A senhora quer ver um desses? Com ou sem vibrador? Murmurei um “sem” pouco convincente e ela prosseguiu: temos nos tamanhos pequeno, médio e grande, mas o material não é dos melhores. Os mais perfeitos são os de silicone, só que um pouco mais caros. Absolutamente constrangida, peguei as peças para examinar.  Tentei disfarçar, dizendo que não era para mim, mas para uma colega, diante do olhar incrédulo da velhota.

Vaguei alguns minutos pela loja e volta e meia me dirigia a ela que, totalmente absorvida pelo exame das notas fiscais, já não me dava a mínima. Peguei uma peça reluzente, metálica com uma grande pedra cor de rosa e voltei a interpelá-la: — O que é isso? Secamente, a velha respondeu:  “Plug anal” para, em seguida, com cara de poucos amigos me perguntar se não iria levar nada.

Desconcertada, apontei para um ‘brinquedo’ de borracha (os mais baratos) e perguntei, espantada, se aquele era tamanho médio. Sim, me garantiu, são só 14 centímetros, demonstrando conhecimento de causa.

Antes de passar o cartão resolveu me perguntar se também levaria a cinta para adaptar o apetrecho que comprara. Nesse momento, me deu uma olhada de alto a baixo e quis saber se “minha amiga” tinha meu corpo ou era mais gorda. Caso fosse, a cinta poderia ficar apertada. Desesperada para sair dali, acabei comprando as duas peças. Naquela altura, minha orientação sexual era o que menos importava. Afinal, a  excursão ao sex shop,  não saíra assim tão cara…

Voltei para casa intrigada: O que fazia num sexshop aquela senhorinha com aparência de cândida vovó do Meier e adjacências? Daquelas que preparam macarronada e bolo de chocolate para os netos aos domingos. Baixinha, toda trabalhada no conjuntinho de liganete (não sabe o que é? Dá um google), cabelinhos brancos, curtos, oclinhos redondos, a vovó dos livros infantis, a vovó dos nossos sonhos… Poderia ser dona de um armarinho no subúrbio, mas ali, naquela loja, manuseando aqueles “brinquedos” e dando informações técnicas, precisas como se estivesse a vender tomates na feira…

Dentro do taxi, pensei em voltar outro dia para entrevistá-la. Seria viúva, solteira ou casada? Teria filhos? Netos? O cidadão que saiu da loja na hora em que eu, indecisa, não sabia se entrava ou não, seria seu companheiro?  Um tipo meio esquisito, esse sim com cara de dono de sex shop. Qual sua relação com aquela senhorinha? Seriam muitas as perguntas, mas, decididamente, bom-humor não era o forte da velhota. Ao  contrário, seca demais, prestava as informações necessárias sem muita conversa e com um visível ar de enfado. Sem chances. O jeito era usar a imaginação.

Depois de muito refletir fiquei pensando como somos preconceituosos e ligados em estereótipos. Por que a doce senhora não poderia ser proprietária de uma loja como aquela? Com certeza, por que o sexo e o prazer estão no plano de tudo que é proibido,  pecaminoso e  sujo. Logo, a doce velhinha não podia fazer parte daquele submundo por ser mulher, por ser idosa, por ter cara de matriarca de família suburbana.

Dias depois tive acesso a um vídeo que corre na internet a respeito de uma respeitável senhora, religiosa, mãe de família e bolsonarista – sogra do prefeito de Campina Grande, na Paraíba – que foi flagrada cheirando cocaína com uma nota de cem reais na cama de uma amiga. E eu preocupada com a velhinha do sexshop. Santa hipocrisia!

Sonia Castro Lopes

Sonia Castro Lopes é professora da UFRJ, co-editora do Construir Resistência e cronista nas horas vagas.

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