Construir Resistência
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A universidade tem que se abrir à diversidade

Por Ernani A. da Conceição

 

Depoimento do professor Ernani A. da Conceição, professor de História do Pré-vestibular comunitário “Os Arteiros da Cidade de Deus”, ao Construir Resistência

 

Tomei conhecimento do curso no Fórum dos Pré-vestibulares Populares ou, dito de outro jeito, periféricos. Contudo não se trata de uma experiência inaugural, na medida em que trabalho com educação popular desde a década de 1980 e, mais especificamente, em relação a Pré-vestibular desde da década de 1990. Atualmente dou aula de História Geral e Filosofia no Curso Pré-Vestibular Redes de Saberes, trabalho voluntário, desde 2007, em favelas do Bairro Maré. No Pré Os Arteiros iniciei este ano com a disciplina História Geral.

Sou formado em Ciências Sociais – UERJ, mas ainda faço graduação em Filosofia. Entretanto, convém ressaltar que fiz o Curso Normal e trabalhei como Professor II, concursado do Município do Rio de Janeiro, de 2002 até 2012 no CIEP Hélio Smidt em Nova Holanda, bairro Maré, onde Moro. Fiz aliança Francesa, curso básico e aperfeiçoamento.  Além disso, iniciei Museologia  na UNI-Rio e francês na UFF que, mesmo não concluídos, agregaram massa crítica à minha formação sob uma perspectiva interdisciplinar do ponto de vista politico-pedagógico.

Moro na Nova Holanda e, eventualmente, tenho problemas com sinal de internet assim como os alunos lá no Pré Arteiros da Cidade de Deus. Entretanto, a maior dificuldade, no meu caso, se relaciona com as contradições de um modelo, sistema ou, dito de outro jeito, um paradigma que tende a reforçar e/ou ampliar as dificuldades de acesso às universidades públicas aos vestibulandos periféricos.

O ideal seria o cancelamento dos exames de acesso às universidades públicas, pois as desigualdades sócio-materiais favorecem aqueles estudantes que têm acesso, sem dificuldade, às tecnologias essenciais para conseguir estudar, pesquisar, receber os conteúdos ou terem acesso ao vasto acervo disponível de aulas e debates em plataformas digitais.

Ensino remoto, no Brasil, constitui um entrave à democratização do acesso as universidades públicas e fortalece a meritocracia. O que me motiva é a certeza de que, mesmo dentro desse quadro, cada morador de favela ou de bairros populares que consegue ter acesso ao ensino superior de excelência, se constitui como novo sujeito do conhecimento e, por meio deles, podem surgir novos objetos de estudos, práticas transformadoras e acadêmicas. Cada um desses estudantes que alcança a formação universitária, com certeza contribuirá para redefinir o papel social da universidade pública no Brasil. Ensino remoto num país como o Brasil pode, em alguma medida, favorecer o branqueamento acadêmico.

Os alunos do Pré Arteiros são alunos de classe popular, periféricos como os de Nova Holanda e de outras favelas da Maré. Jovens trabalhadores que não tiveram o privilégio da dedicação exclusiva ao estudo por razões sócio-materiais ou tiveram a escolarização (educação formal) interrompida por muito tempo, só podendo voltar aos estudos agora, devido às prioridades da vida.

Não por acaso, ao abordar qualquer conteúdo, metodologicamente, o faço como se todos os alunos participantes dos encontros nunca tivessem visto, justamente, para que aquelas pessoas que ficaram muito tempo fora da escola possam acompanhar e seguirem até o final. Pré-vestibular popular tem que incluir e não reproduzir práticas que favoreçam a exclusão.

Não há espaço para neutralidade, incentivo os alunos a fazerem o ENEM e o Vestibular da UERJ. Universidade financiada com dinheiro público tem que ter preto, indígena, pobre, favelado.  Tem que estar aberta à diversidade de gênero e ser uma trincheira poderosa antirracista e antifascista.

Não é possível produzir massa crítica de conhecimento sem abordagem crítica de conteúdos, na área de humanas. A equipe é multiprofissional e tem Coordenação Pedagógica que organiza reuniões periódicas de planejamento pedagógico, simulados e resolução de provas anteriores. Assim sendo, é possível abordar o máximo de conteúdos necessários, independentemente, dos cursos de interesse dos alunos, para que tenham condições de fazerem as provas com razoável possibilidade de serem exitosos.

Por último, é importante frisar que se “Educação não for libertadora o sonho do oprimido é ser opressor” e essa lógica os pré-vestibulares periféricos não podem reproduzir. Os futuros universitários não são Alunos ou Alunas = sem luz , ao contrário, são bem iluminados, já chegam com uma bagagem formidável das leituras do mundo que precedem as leituras das palavras.

 

 

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