Por Sonia Castro Lopes
Não nos causou surpresa o pronunciamento do ministro da educação, Sr. Milton Ribeiro, ao ser entrevistado no programa Sem Censura. Munido de argumentos frágeis, prestou-se a repetir a mesma cantilena dos ‘especialistas’ em educação na época da ditadura civil-militar. Aliás, não é isso o que deseja este governo e sua corja de apoiadores?
Um ministro que se remete a lugares comuns e não dispõe de uma assessoria capaz de colocá-lo a par dos estudos recentes sobre a relação entre nível de escolarização e aumento de renda só pode dar nisso. Afirma o ministro que o incomoda o fato de portadores de diploma de cursos superiores ganharem a vida como motoristas de táxi ou de aplicativos, ignorando pesquisas que demonstram ser a extensão dos estudos ao nível superior um dos fatores que geram mais oportunidades de emprego, notadamente num país com poucas ofertas de ensino como o nosso. A solução para ele é investir no ensino técnico porque a “universidade não é para todos.” Nada contra o ensino técnico, especialmente para quem precisa ingressar mais cedo no mercado de trabalho. Mas que seja um ensino técnico de qualidade e não o rebotalho que sempre quiseram impor às classes populares. Além disso, é inadmissível que se limite o destino dos estudantes destinando ‘a poucos’ a carreira universitária.
É preciso recordar para os saudosistas de plantão que o golpe dado na educação pública do país ocorreu exatamente no período da ditadura que eles tentam reviver. Presenciamos no Brasil o fracasso do ensino profissionalizante tornado obrigatório para o ensino médio (então denominado segundo grau) pela lei 5692/71 no governo Médici. O modelo a ser seguido no caso dessa política não era o das boas escolas técnicas – os CEFEts – disputados por uma classe média que queria os filhos no mercado de trabalho, mas não abria mão dos títulos de doutor. Os especialistas de ensino da época, quase todos economistas que julgavam entender de educação, achavam os Cefets caros e inócuos, uma vez que serviam de trampolim para a universidade. A solução era facilitar a entrada na universidade para poucos – os filhos da elite – reservando um ensino profissionalizante de quinta para os filhos dos trabalhadores.
A idéia de acabar com os cursos propedêuticos (clássico e científico) tornando todo o segundo grau profissionalizante era uma forma de conter a procura de vagas nos cursos superiores. Era preciso impedir o acesso dos estudantes pobres à universidade. O discurso do governo era que os jovens já sairiam do segundo grau com uma habilitação profissional e se engajariam num mercado de trabalho que crescia graças ao “milagre econômico”, oferecendo empregos e salários cada vez melhores.
Um modelo de ensino técnico totalmente ilusório e excludente. As escolas privadas passaram a ‘cumprir a lei’ oferecendo uma profissionalização ‘pra inglês ver’ enquanto reforçavam o currículo propedêutico com disciplinas de formação geral para que os filhos das classes privilegiadas garantissem aprovação nos vestibulares dos cursos mais prestigiados. Em sentido contrário, as classes populares tinham de se conformar com a profissionalização de quinta realizada nas escolas da rede pública. Sem investimentos na qualificação do corpo docente, na infraestrutura, no planejamento junto às empresas teoricamente beneficiadas pelo “milagre”, esse modelo escolar fracassou.
O processo de redemocratização que emergiu após 1985 atingiu em cheio a educação que passou a ser um direito. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 vem sendo atualizada e hoje temos uma educação obrigatória para estudantes de 4 a 17 anos de idade. O ensino técnico ainda está longe do modelo ideal, dificultando aos estudantes ingressarem com sucesso nas carreiras universitárias mais concorridas. Há alguns (poucos) projetos de ensino técnico bem sucedidos, mas, por serem caros não se estendem a todos os sistemas estaduais de ensino.
Nas duas últimas décadas, programas inclusivos como as políticas afirmativas – cotas sociais e raciais – PROUNI e FIES possibilitaram a ampliação do ensino superior para as camadas mais empobrecidas da população. Vale lembrar que a política de cotas, inaugurada na UERJ em 2001 e intensificada pelo governo federal nos anos seguintes, bem como o Prouni (Programa Universidade para todos) foram medidas adotadas pelo governo Lula, tendo à frente do MEC o ministro Fernando Haddad. O Fies – Fundo de Financiamento Estudantil foi criado em 1999 no governo de Fernando Henrique Cardoso e, posteriormente, ampliado por Lula para oferecer condições mais vantajosas para que jovens de baixa pudessem pagar universidades privadas e quitar o empréstimo com um prazo maios dilatado. Essas ações combatem as desigualdades impostas por um sistema educacional excludente permitindo que fossem, aos poucos, sendo superadas.
É isso que o atual governo pretende destruir: a possibilidade de todos os estudantes escolherem seus destinos. A determinação e resiliência de muitos desses jovens diante de tantos obstáculos tornaram-se decisivas para subverter o roteiro que lhes foi destinado. O ingresso na universidade transformou suas vidas e muitos continuaram seus estudos em cursos de pós-graduação stricto sensu. Sim, hoje filhos de porteiros e de empregadas domésticas são mestres e doutores para horror desse governo de boçais. E, felizmente, senhor ministro, esse processo será irreversível.