Entrevista com candidatos à Reitoria de duas universidades federais (parte 2)
Sonia Castro Lopes
Dando continuidade à matéria publicada na última terça feira (16), apresentamos nessa quarta feira (17) a entrevista com o professor Etienne Biasotto da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) no Mato Grosso do Sul.
Construir Resistência:Professor Etienne, fale um pouco sobre sua formação e trajetória profissional.
Etienne: Nasci em Dourados, Mato Grosso do Sul e lá completei a educação básica. Sou graduado em engenharia elétricacom mestrado e doutorado na USP de São Carlos, no interior paulista. Em 2012 fui aprovado em concurso público para lecionar Engenharia de Energia na UFGD, universidade criada em 2005, no governo Lula, que sempre respeitou os princípios democráticos, trabalhando de forma colegiada para que a instituição tivesse autonomia. Minha atividade na UFGD não se resume à docência. Fiz um curso de especialização em gestão de hospitais e os conhecimentos adquiridos nesse curso foram úteis para a melhoria do Hospital Universitário da UFGD. Em 2015 fui eleito diretor da Faculdade de Engenharia e no biênio 2013-2014 fui diretor do Sindicato dos Professores.
Construir Resistência: Como ocorreu a campanha eleitoral para a Reitoria?
Etienne: O processo eleitoral iniciou-se em março de 2019 com uma consulta prévia (CP) à comunidade. Essa consulta era opcional (de acordo com a Nota Técnica n. 400/2018 expedida pelo MEC). Na campanha houve participação ativa do movimento estudantil, dos sindicatos de técnicos e docentes e a comunidade cobrou dos candidatos o respeito à democracia. Como sempre ocorreu na UFGD era costume que os candidatos derrotados na consulta prévia não apresentassem candidatura no Colégio Eleitoral, conselho que referenda as candidaturas e monta a lista tríplice.
Construir Resistência: Quantas chapas concorreram a essa consulta prévia?
Etienne:A CP foi realizada no dia 12 de março de 2019. Concorreram três chapas: Chapa 1 (Unidade UFGD) com os professores Etienne Biasotto e Cláudia Lima; Chapa 2 (UFGD em ação) com os professores Joelson Pereira e Nelson Domingues; chapa 3 (UFGD Mais) com os professores Liane Calarge(reitora à época) e Caio Chiarello. Nossa chapa foi a mais votada com 29.83% do total e obteve 251 votos docentes, 186 votos de técnicos administrativos e 2386 votos de alunos. A chapa 3 posicionou-se em segundo lugar e a chapa 2 em terceiro. Interessante perceber que nossa chapa foi a mais votada entre os estudantes (a chapa 3 teve 502 votos de estudantes e a chapa 2 1067) e os docentes (251 votos contra 141 da chapa 3 e 152 da chapa 2). Só perdemos para a chapa 3 em relação aos técnicos administrativos que contou com 379 votos dessa categoria. Cabe destacar aqui que utilizamos na CP o voto paritário, como sempre foi feito desde a criação da instituição.
Construir Resistência:E como se deu o referendo pelo Colegiado eleitoral? As chapas perdedoras desistiram de apresentar candidatura?
Etienne: O Colegiado reuniu-se no dia21 de março. Um grupo da chapa 2 (terceira colocada na CP e com orientação política de extrema direita) demonstrava interesse em se candidatar, o que romperia a tradição, mas vendo que não obteriam mais de 8 votos, desistiram. Então a lista tríplice foi composta pela minha chapa e mais duas que se apresentaram na ocasião. Uma delas era encabeçada pelo diretor da Faculdade de Ciências Humanas, professor Jones Goettert e a outra pelo professor Antonio Dari Ramos, diretor da FAIND (Faculdade Intercultural Indígena). Esses dois professores haviam me apoiado na etapa da CP. Assim constituída, a lista tríplice foi encaminhada ao MEC, mas aí começou a confusão.
Construir Resistência:Por quê? Você não foi nomeado?
Etienne: A universidade recebeu um ofício do MEC solicitando que se refizesse todo o processo eleitoral. A Reitoria pediu um parecer da Procuradoria, o Colégio Eleitoral voltou a se reunir e referendou todo o processo eleitoral. Porém, o candidato da chapa 2 (professor Joelson, que havia ficado em último lugar na CP) deu uma entrevista a um jornal (Gazeta do Povo) afirmando que a lista enviada ao MEC era uma “lista de laranjas.” Em seguida, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública pedindo a anulação do processo eleitoral e suspensão da lista tríplice. O juiz concedeu liminar favorável e essa suspensão coincidiu com a vacância do cargo de reitor. Então, o MEC nomeou uma reitora pró-tempore.
Construir Resistência: Então chegou a haver intervenção?
Etienne: Sim, a reitoria foi ocupada por uma interventora ligada à chapa 2 (Mirlene Damázio) mas a história não termina aqui. Após idas e vindas, o processo judicial foi julgado em 13/08/19 e nós vencemos. Mas a interventora, tentoumudar a posição institucional da UFGD, peticionando documento no processo concordando com novas eleições. Colocou nas pró-reitorias pessoas de sua confiança e, dessa forma, aumentou os votos favoráveis à chapa 2, nas minhas contas, de 8 para 17. Assim o grupo da chapa 2 que fora a última colocada na CP poderia ter alguma chance em uma futura eleição com uma gestão interventora.
Construir Resistência: E a decisão de tentar mudar a posição institucional deu certo?
Etienne: Não, porque o COUNI (Conselho Universitário) e o CEPEC (Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura) – órgãos que formam o Colégio Eleitoral – não aprovaram essa mudança institucional. Inclusive, elaboraram um documento com assinaturas da ampla maioria desse Colegiado reafirmando a posição institucional da UFGD pela validade de todo o processo e pela legitimidade da lista tríplice. O processo se arrastou com recursos de ambos os lados e só foi julgado em outubro de 2020. A decisão nos foi favorável, pois julgou improcedente o pedido do MEC para anular o processo eleitoral. Mas a interventoraquis ganhar tempo e só mandou a decisão do desembargador que nos favorecia para o MEC em dezembro de 2020.
Construir Resistência: Então a UFGD ainda está sob intervenção?
Etienne: Sim. O MEC ‘sentou’ no documento, Mirlene foi destituída e nomearam outro interventor, professor Lino Sanabria, também pertencente ao grupo da chapa 2. Ou seja, usaram de todos os subterfúgios para escapar da decisão do desembargador que julgou o caso favorável a nós. Já se vão dois anos de intervenção, com os conselhos esvaziados. O MEC e as forças antidemocráticas agem contra nós, apesar de termos conseguido duas vitórias, uma em primeira e outra em segunda instância. Semana passada, no dia 8/3, o Ministro da Educação esteve na universidade inaugurando a ‘Unidade da Mulher e da Criança’ para dar respaldo a esse interventor. Todos sem máscara, inaugurando um hospital que não tem equipamentos nem pessoal contratado. Além disso, em entrevistas a jornais locais que cobraram nossa nomeação, o Ministro disse que não nomearia ninguém da lista pois estaria aguardando por um “acordo”, que confesso, não tenho a mínima ideia do que se trata.
Comentário final do Construir Resistência
Mostramos aqui dois casos de arbitrariedades e autoritarismo a que estão sendo submetidas nossas universidades federais. No primeiro caso – Unirio – não houve intervenção, mas, sem dúvida, houve falta de ética e oportunismo, quando os vitoriosos – valendo-se de uma norma técnica que retirou a força de consulta da comunidade acadêmica – urdiram uma trama para retirar do páreo a chapa que obteve consagração na consulta prévia, sobretudo entre os estudantes.
No caso da UFGD o caso foi ainda mais grave, pois a chapa que se colocou em último lugar na CP, provocou a judicialização do processo e garantiu a nomeação de interventores para afastar qualquer possibilidade de nomeação do primeiro colocado na lista tríplice enviada ao MEC.
O que os dois candidatos à Reitoria aqui entrevistados possuem em comum? Ambos detêm o apoio da classe estudantil (com milhares de votos) e foram diretores de sindicatos docentes. Por isso, tornaram-se ‘personae non gratae’ aos que se acreditam donos da ‘casa grande.’
Releia a primeira parte dessa matéria em:
https://construirresistencia.com.br/a-sensacao-de-ganhar-e-nao-levar/