A senhora do tempo

Por Renata Corrêa

 

O Tempo é uma Senhora Grisalha e Bipolar…

Balança na cadeira dos sonos,

Espreguiça a ossatura cansada

Tingida em azul e tons terrosos

Da hora semicerrada…

Canta com galos das madrugadas

Enquanto o enquanto ainda nos dorme…

 

Embrulhada com sua camisola anuviada,

Algodão macio que aos poucos

Desaquece os primeiros raios

Que partirão ao meio o dia…

Encomprida minutos

Na querência de uma caneca

Lenta, quente e vagarosa,

Dos vestígios do último sonho…

 

Olha-se no espelho, descabelada,

Gosta do reflexo cinzento

Dos fios esparsos naquele entretanto

Entremeado de marasmo…

Esfrega um piscar de olhos

No segundo em que o segundo

Já é seguinte…

Esfaqueia átimos derradeiros,

Veste-se de urgência e atraso!

 

O Tempo é uma Senhora de Pés Ligeiros…

E corre…

 

Corre entre buzinas e faróis,

Engravata a calmaria,

Aperta a alegria aos nós

Rentes à garganta da palavra

Absurda e tardia demais para estar poesia…

Envelhece mais uma ruga

No rosto da nostalgia…

Carimba o passado do Instante

No instante exato em que deixou de ser…

Sente-se apenas derreter

Por entre os dedos duros

Sobre balcões das repartições

De suas infinitas (re)partidas…

 

O Tempo é uma Senhora Passante…

E passa…

 

Passa por fora das gentes,

Ao largo, ao longe e além…

Não é caça, nem captura…

Farsante por certidão e nascimento,

Carnavaliza avessos,

Finge mentiras como alento…

Conforta substantivos descrentes:

Às eternidades dos amores,

Batiza “Momentos”…

Chama de “Saudade”

A presença da falta tanta,

Sem qualquer preenchimento…

 

O Tempo é uma Senhora Furtiva Fugitiva

E foge…

 

Foge de nós

Montada em seu corpo movediço,

Dança a sós…

Renda a retina em mil rastros,

Não goza de artifícios,

Deita segredos sobre lastros,

Perde as estribeiras,

Versa no silêncio afluente,

Esgueira-se pelas sombras das laranjeiras

E voa anos-luz à nossa frente.

 

Dona das asas do vento,

Do outro lado do rio,

De todas as caras da lua,

Das coroas do mar,

Das brisas de panapaná…

Brota nas sementes cruas

Das sete cores

Do sexto sentido

De cada estação…

Gira brincante nas cirandas

Da nossa espera em procissão.

 

O Tempo é uma Senhora Gestante

E pare…

Pare na contração das suas vontades…

Expulsa inércias,

Tece linhas de paciência,

Engole os filhos do medo.

Indulgente para todo senão,

É passagem, paisagem,

Vida, fim e a própria ressurreição…

Colo para nossos improvisos,

Amamenta-nos de coragem,

Embala tempo novo recém-nascido…

 

O Tempo é uma Senhora Sem Tempo Para Coisa Alguma

E nada tem a perder…

 

Quem se perde nos redemoinhos

Da última gota sempre arrependida,

Que mora em todo não dito,

Que transborda qualquer não feito,

Sou Eu

E Você!

 

Ante os ponteiros de predestinos,

Caminha ao contrário

Em marcha de insurgências…

Escreve-se melhor entre vírgulas

E reticências…

 

A Senhora do Tempo Esperança,

Mora nas parturiências do agora…

Passa, corre, foge,

Gesta, envelhece,

Renasce futuros

E não volta…

 

Renata Corrêa, 44,  é professora e mestre em educação. Uma das organizadoras do Coletivo de Mulheres Poetas de Niterói e do Sarau Horto Canto do Poeta. E parte do Coletivo feminista de arte e poesia, Vozes Escarlates.

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