Por Beatriz Herkenhoff
O ano de 2016 destacou-se pela produção de excelentes filmes sobre a dura realidade vivida pelos negros norte-americanos. Tema atual que nos remete à realidade dos negros no Brasil. Indico todos: #Moonlight, #Estrelasalémdotempo, #Eunãosouseunegro e #Umlimiteentrenós.
Esses filmes colocam o dedo na ferida. Trazem à tona toda espécie de segregação vivida pelos negros: a privação de seus direitos como cidadãos; a violência; os preconceitos; as exclusões, humilhações e falta de oportunidades. Comportamentos institucionalizados que geram dor, sofrimento, medo, negação da própria identidade, mas, também lutas, confrontos, mortes, resistências, superações, mudanças e conquistas.
Vencedor do Oscar de melhor filme 2016, eu classifico Moonlight – sob a luz do luar como excelente. O diretor Barry Jenkin aborda a dura realidade social através de uma obra tocante, sensível e bela. O foco do filme está na história de Chiron em três fases de sua vida: infância, adolescência e mundo adulto.
Interpretado por três excelentes atores que expressam: força, doçura, timidez, medo e ternura em suas ações. Embora o filme aborde uma realidade que não é vivida por aqueles que frequentam os cinemas, o protagonista consegue criar uma empatia com o público.
O recorte da vida desse jovem é, na verdade, o recorte da nossa própria sociedade, que não oferece igualdade de oportunidades para todos. Chiron, que vive experiências de abandono e rejeição, está a procura de sua verdade, do autoconhecimento e de sua identidade: quem é? O que deveria ser? O que irá se tornar diante das oportunidades quase que nulas?
O diretor costura com maestria temas socialmente relevantes, como: violência; preconceito; bulling; identidade sexual; experiências de rejeição; de solidão; dependência química e suas consequências; oportunidades e chances de vida na periferia pobre e negra. As contradições presentes num traficante que é duro e ao mesmo tempo estabelece uma relação de amor, cuidado e proteção. A omissão da escola diante das agressões sofridas pelas crianças e jovens entre outros.
Embora seja um filme triste, pois aborda uma realidade crua e dura, é, ao mesmo tempo, revestido de uma poesia realista. Com trilha sonora e fotografia primorosa, a câmera valoriza gestos e olhares que falam mais do que as palavras.
O vigor dos gestos e a dramaturgia dos corpos perpassam todo o filme: a deterioração do corpo dependente químico. Corpos fracos e franzinos que se transformam em corpos malhados e fortes, mascarando e escondendo medos submersos e estratégias para enfrentar a realidade. Corpos que expressam sentimentos engolidos e retidos, medos diante da incerteza do futuro, a busca do amor, de uma referência paterna, e as escolhas que a vida impõe. Muito é dito sem que seja preciso diálogos.
Destaque especial para o elenco. E um avanço em Hollywood, reconhecendo e premiando filmes em que todos os atores são negros. Impossível sair do filme sem se deixar questionar.
Apesar de ser um filme mais leve, Estrelas além do tempo não é menos intenso ao abordar o tema da igualdade racial e de gênero. Trata-se de uma história real sobre a vida de três negras que, nos anos 1960, quebraram barreiras no auge da segregação racial nos EUA.
Com sua inteligência e habilidades matemáticas mudaram o rumo das descobertas americanas em plena corrida espacial no período da guerra fria. Funcionárias da #Nasa que sofreram todo tipo de preconceito, de segregação, de falta de reconhecimento, entre outras questões.
Com três grandes atuações, as atrizes conquistam imediatamente a empatia do público que se emociona e torce pelas mesmas. Há uma química entre elas que nos contagia. São personalidades firmes, fortes, determinadas, com capacidade de superação. Elas transbordam alegria, apesar de todos os obstáculos que enfrentam.
Em “Um limite entre nós”, Denzel Wahshington (como Troy) e Viola Daves (como sua esposa Rose) estão espetaculares em suas interpretações. Merecidamente foram indicados ao Oscar de melhor ator e melhor atriz coadjuvante (ela levou a estatueta).
Como o filme é baseado na peça do dramaturgo August Wilson; como Denzel e Viola Daves trabalharam na peça que foi umas das mais famosas da Broadway; como receberam inúmeros prêmios por essa atuação e como Denzel é também o diretor do filme, ele optou por realizar cenas, em muitos momentos, como se fosse um teatro filmado. Por isso, nesse filme, as palavras têm mais força do que as imagens, a voz é um recurso potente.
Esse fato poderá ser um impeditivo para que o público se identifique ou alguns poderão achar cansativo em determinados momentos pelo excesso de diálogos. Mas, é um filme profundo, que traz riquezas e questionamentos em seus diálogos, então esse detalhe, torna-se secundário.
Troy trabalha como coletor de lixo. Sua personalidade foi embrutecida pelo racismo; seus sentimentos foram petrificados; não consegue demonstrar afeto; não consegue ter esperança; não acredita que seus filhos serão capazes de construir uma história diferente da sua; a casa não é o lugar do prazer e da alegria, mas, da obrigação.
Por preconceito racial, Troy viveu uma frustração atroz e quer impedir que o filho se decepcione também; quer protegê-lo da dura realidade vivida pelos negros nos anos 1950-60. Apesar de querer preservar sua família e mantê-la unida, seus gestos afastam, dividem, geram medos.
O filme é surpreendente, porque muitos serão os conflitos de gerações; os confrontos familiares; as rivalidades de ideias; as decepções amorosas. São adotados comportamentos que machucam e geram mágoas, consequências da história de vida de um negro que foi humilhado e massacrado, e, cuja ferida aberta pelas injustiças, impediu-o de dar um salto qualitativo e construir uma história diferente com mais afeto, liberdade e alegria.
Os três filmes citados são atuais e nos remetem à realidade do Brasil. Que possamos repensar o tão propalado discurso que nega a existência de preconceitos em relação ao negro no Brasil e, consequentemente, a desigualdade no acesso às oportunidades. Que possamos pensar como somos parte de tudo isso.
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É repugnante constatar que pessoas sejam julgados pela cor, pelo crédulo religioso ou pela posição social.
Diante da constatação do aumento assustador de casos de racismo eu fico a me perguntar: Seria porque as pessoas estão mais encorajados a denunciar ou à intolerância (ignorância) do ser humano que está cada vez maior?