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A quem não interessa a regulação da mídia?

 

Por Simão Zygband

Foto: Carla Carniel/Reuters

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse na semana passada, em entrevista à rádio Metrópole, de Salvador, que se voltar a ocupar a presidência da República vai “regular os meios de comunicação”

“Tem alguns setores da imprensa que não querem que eu volte a ser candidato. Por que, se eu voltar à Presidência, vou regular os meios de comunicação”, afirmou. 

Em 2019, na abertura do 7º Congresso Nacional do PT, a liberdade de imprensa e a regulação da mídia foram abordadas por Lula: ”democratizar a comunicação não é fechar uma TV, é abrir muitas” e “não pode um grupo familiar decidir sozinho o que é notícia e o que não é, com base unicamente em seus interesses políticos e econômicos”. 

Durante a sua gestão, Lula tentou criar o Conselho Federal de Jornalismo, projeto que chegou a ser enviado ao Congresso Nacional em 2004, mas foi derrubado pelos deputados, grande parte deles proprietários de rádios, TVs e internets em diversas cidades brasileiras.

Toda vez que este assunto volta à discussão, ele sempre traz consigo acalorados debates. Os conservadores consideram o projeto como “censura”. Alegam que esta “mordaça” na imprensa faz o projeto parecer com algo semelhante ao que se prática “na Coréia do Norte, Venezuela ou Cuba”.

Mas peguemos um exemplo próximo. A ex-presidenta Cristina Kichner, que implantou a Ley de los Medios,  travou longa batalha com o conglomerado midiático Clarin na Argentina (e venceu a disputa), quando a Suprema Corte de Justiça daquele país considerou constitucional uma cláusula anti-monopólio que obrigou o grupo a se desfazer de rádios e TVs por assinatura. Uma mesma empresa de Comunicação não pode monopolizar as informações, consideraram os magistrados argentinos.

Não querer regulação atende interesses monopolistas

Aqui no Brasil, os que desconhecem  a  Constituição vociferam contra a regulação. Regular os meios de comunicação significa garantir as condições mínimas de operação dos serviços de comunicação, de forma a priorizar o interesse da população e não o lucro das grandes empresas. 

Vou utilizar  um texto publicado no site “Bem TV”, que joga luz sobre esta questão tão polêmica, que voltou a ser um aríete para “bombardear” a pré-candidatura Lula:

“Serviços de TV e radiodifusão são concessões públicas. Isso significa que o Estado cede a empresas privadas o espaço para veiculação de seu conteúdo, em contrapartida exigindo (ou devendo exigir) que as grades ofereçam (de acordo com o Artigo 221):

“I – Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. ”

A comunicação, a liberdade de expressão e de imprensa são valores intimamente ligados à democracia, são serviços previstos pela Constituição, mas que funcionam a partir de interesses privados. E sabe por quê?

Embora existam as regras que pré-determinam sua existência, não há regulação para que os serviços atendam ao que se prevê constitucionalmente. Diferente dos serviços básicos como saúde e transporte público, suas regras de funcionamento não são claras e difundidas junto ao público.

Passados 30 anos da promulgação da Constituição de 1988, nenhum artigo do citado capítulo V foi regulamentado, o que permite a violação do que está previsto na própria Carta Magna. Retiramos de uma matéria da Carta Capital o seguinte excerto.

Os efeitos da não regulamentação constitucional são evidentes:

  • O artigo 220, por exemplo, define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. Hoje, no entanto, uma única emissora controla cerca de 70% do mercado de TV aberta;
  • O artigo 221 define que as produções regionais e independentes devem ser estimuladas. No entanto, 98% de toda produção de TV no país é feita no eixo Rio-São Paulo pelas próprias emissoras de radiodifusão, e não por produtoras independentes;
  • Já o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país deve respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública, privada e estatal. No entanto, a imensa maioria do espectro de radiodifusão é ocupada por canais privados com fins lucrativos. Ao mesmo tempo, as 5.000 rádios comunitárias autorizadas no país são proibidas de operar com potência superior a 25 watts, enquanto a única rádio comercial privada chega a operar em potências superiores 400.000 watts;
  • Por fim, o artigo 54 determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público. No entanto, a família Sarney, os senadores Fernando Collor, Agripino Maia e Edson Lobão Filho, entre tantos outros parlamentares, controlam inúmeros canais em seus estados. Sem uma lei que regulamente tal artigo, ele – como os demais da Constituição – torna-se letra morta e o poder político segue promiscuamente ligado ao poder midiático.

Podemos dizer que a regulação da mídia democratiza ainda mais a democracia. A formação da opinião pública em muito se dá a partir dos ditames dos grandes monopólios da comunicação, que podem criar conteúdo para o público a partir de suas convicções e desejos pessoais.

Liberdade de expressão, em muitos países da América da Latina, acaba sendo a liberdade das empresas de comunicação de divulgarem o que lhes convier, quando a Constituição propõe o oposto. Isto não significa que a imprensa não tenha liberdade para manifestar seu olhar nas questões da sociedade. Significa dizer que, por assumir lugar de destaque na construção da democracia, existem deveres que precisam ser cumpridos por parte da imprensa para alcançarmos este ideal igualitário.

A Constituição prevê o espaço para produções independentes, de cunho popular e comunitário. “A comunicação popular é construída a partir do contexto das comunidades, dos movimentos sociais, que afinam suas demandas e produzem a partir de suas demandas, suas lutas, pensando um processo de conscientização, mobilização e também apropriação dos meios de comunicação, para mostrar as outras caras que fazem o país”. 

Também é importante lembrar que apesar de ser uma concessão pública, mais de uma TV é controlada por igrejas, mesmo sendo o Brasil um país laico, conforme prevê a Constituição. É certo que igrejas pentecostais monopolizem a Comunicação?

 

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