Por Beatriz Herkenhoff
Quando resgatamos nossas potencialidades
Milhares de pessoas estão vivendo o mesmo que nós e precisam ler e ouvir o que temos a dizer, ou mesmo, o que temos a silenciar. A sinergia através do silêncio também se faz necessária.
O fundamental é que nossa energia de amor chegue até o outro. Que o amor circule individual e coletivamente.
Nessa dinâmica, somos fortalecidos pela certeza de que podemos, a partir do turbilhão de sentimentos que nos invadem, reconstruir nossa identidade despedaçada e vislumbrar novos caminhos.
Se ao longo de nossa vida engolimos o luto, se jogamos as tristezas e raivas para de baixo do tapete, provavelmente corremos o risco de carregar em nossa bagagem mágoas e ressentimentos.
As perdas do passado se misturam às perdas do presente e nos tornamos amargas e melancólicas. Embora tenhamos a sensação de que aquela etapa de luto foi vencida, carregamos tudo que ficou guardado, e em algum momento essa dor vai explodir com força.
A vivência do Luto
Viver o luto é uma das tarefas mais difíceis que se apresentam para nós. Por isso ficamos sem chão, sem desejo, sem horizonte, sem ação, sem força, sem perspectiva. A morte gera um desejo de não vida, de perda de sentido para a existência.
Com a #pandemia, o luto ocorre permanentemente com as mortes diárias (que poderiam ter sido evitadas). Também com a necessidade de #distanciamentosocial, que provoca um luto pela ausência daqueles que amamos, e pela indiferença silenciosa de alguns amigos e familiares. Mas, simultaneamente, uma luz se acende ao vivermos o luto.
Somos convidados a romper com condicionamentos sociais e culturais, tais como: “para vencer na vida tem que ser forte, engolir o choro e negar os sentimentos”, “tenha pressa para sair do caos e da paralisia”. Condicionamentos que associam o valor da vida ao sucesso, à aparência, à competição, ao consumismo e ao individualismo. Concepções que não nos ajudam quando perdemos vidas, empregos, sustentabilidade financeira, psíquica, emocional e espiritual.
Reorganização da vida
No momento da partida é importante expressarmos tudo que está no mais profundo do nosso coração. Chorar e escrever também são recursos que nos ajudam. E aos poucos, vamos reorganizando o nosso jeito de ser e estar no mundo. Aqueles que não estão mais aqui deixaram marcas profundas, e continuam a viver através de nossos gestos e ações. Eles (elas) vivem para sempre, serão nossos guias e mestres para que possamos dar continuidade aos seus projetos.
A passagem pelo luto torna-se fonte de luz quando: resgatamos nossas potencialidades; olhamos para os dons que recebemos e nos sentimos motivados a coloca-los novamente a serviço; exercitamos a gratidão; cuidamos de tudo que minou a nossa autoestima e autoconfiança. O equilíbrio bio-psíquico-espiritual e afetivo será reencontrado com ajuda profissional (na pandemia muitos profissionais estão prestando serviços gratuitos nessa área) e com ajuda daqueles que amamos.
A esperança, a luz e a fé que ficaram adormecidas, irão ressurgir em gotas homeopáticas. Serão sinais para que o outro encontre o seu caminho junto comigo.
Nesse processo de diálogo com o outro e comigo mesma, é importante relembrarmos tudo que construímos até aqui. Quantas trocas intensas em todas as áreas de nossa vida! Quantos relacionamentos lindos pautados pelo amor, identidade, companheirismo, cumplicidade e alegria! Quantos laços de amizade e reciprocidade construímos!
Quantas vezes vivemos a gratuidade, o serviço, o amor, o desprendimento, a generosidade e a partilha dos conhecimentos! Quantas vezes pautamos nossas vidas pela ética, pelo amor, pela justiça, pela igualdade, pelos direitos humanos, sociais e políticos!
Essas experiências nos fizeram acreditar no amor. E, hoje, nos fortalecem para acreditar que ainda temos muito a realizar em nossa passagem por esse mundo.
O tempo que o tempo leva…
Com o tempo, em algum momento, irá nascer novamente o desejo de sair do nosso eu e ir ao encontro do outro. Canalizar a nossa libido para contribuir com um mundo mais justo e humano.
Ouvirmos o clamor dos pobres, nos sensibilizarmos com a falta de pão à sua mesa, assumirmos suas alegrias e angústias, partilharmos nosso tempo e dedicação nos envolvendo em campanhas de solidariedade que estão fazendo a diferença nesse momento de tantas perdas.
Lutarmos para que todos tenham direito à vacina, ao emprego, à saúde, educação, à segurança e a um país onde a democracia predomine. Entre tantas outras tarefas e movimentos.
Esse momento tão duro e com tantos desafios, nos convida à resiliência, ao amor e à resistência!
Nota da Autora:
Hoje sou pura gratidão. Estou recebendo muitas mensagens de pessoas que foram profundamente tocadas por minhas reflexões sobre o luto. Saibam que suas palavras e a partilha de sua dor me levaram às lágrimas.
E essa troca já é um sinal de que podemos viver o luto coletivamente. Não precisamos ficar isolados em nossa dor, nem engolir nossos sentimentos, nem nos autodepreciar porque nos sentimos impotentes e fragilizados.
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.
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Muitos parabéns pela sua crônica! Suas palavras me tocaram profundamente!
Como dizia papai: depois da tempestade vem a bonança. Mas muitas vezes nem sabemos para onde correr no momento da tempestade.
Penso que o caminho de ir encontro do outro para poder dividir o nosso luto com ele e carregar um pouco do dele conosco abre uma luz no meio do túnel e nos move a seguir sem mágoas, sabendo que a alegria virá com o tempo e que o tempo é senhor do dia de luz que vem após a noite de escuridão.
Ler suas crônicas reforça em mim, o meu jeito Poliana de ser: acreditar que se ainda não está tudo bem é porque ainda não chegamos ao fim e que o final será melhor se eu fizer a minha parte nesta caminhada.
Que lindo retorno querida Maria José. Suas reflexões confirmam o que escrevi sobre o luto e ao mesmo tempo acrescentam ao buscarmos estratégias de enfrentamento e superação, gratidão, beijos Beatriz