A origem das coisas

Miriam Waidenfeld Chaves

 

Maria do Carmo desde a infância foi curiosa. Suas perguntas engasgavam qualquer um. Não era fácil. Atrás de uma dúvida, logo aparecia outra.  Cheia de por quês, à noite ia para a cama inconsolável por seus pais não terem destrinchado suas questões. Saber a origem das coisas era uma obsessão para ela.

De família católica, durante a Semana Santa adorava se vestir de anjinho para seguir à frente da procissão. Coisa de filme, como em Marcelino pão e vinho.

Quando, nas férias, se deparou com o mar pela primeira vez, suspirou fundo como o fundo do oceano e na sua miudeza sentiu o mar dentro de si. Parecia um filme.

– De onde vem tanta água? É verdade que ela é salgada? Qual a diferença entre a água do mar e a do Sapucaí? Disparou.

Como o assunto se alongava, sua mãe achou uma resposta que logo aquietou a filha:

– Quando você estiver na escola a professora vai poder tirar todas essas  dúvidas.

Maria do Carmo ficou feliz por saber que existia um lugar só para responder suas perguntas.

Não deu outra!

– Lá vem a Maria perguntadeira, zoavam as colegas de turma.

Maria do Carmo não ligava para as brincadeiras. Os terremotos, o universo, a natureza e o corpo humano eram sua paixão. Mas, o que a intrigava eram as cores. O azul do céu, o amarelo do sol, o verde da Mantiqueira, o vermelho de tomate e o roxo da hortência de seu quintal.

Por que o mundo era colorido?  Por que não era preto e branco?

Nas aulas de Geografia e Ciências não piscava os olhos. Hipnotizada, não emprestava nem borracha. Não escutava ninguém. Só a professora.

Já no Ginásio, durante a aula de História, Maria do Carmo ouviu falar de um livro cujo título não compreendeu.

A origem da família, da propriedade privada e do estado repetiu na cama de seu quarto para não esquecer.

Alguns anos mais tarde, no Rio de Janeiro, Maria do Carmo entrou na Dazibao e passeando por suas estantes  um livro olhou para ela. Olharam-se pela primeira vez e leu A origem da família, da propriedade privada e do estado.

Num ato solene o retirou da estante e o levou para o caixa. Na rua, dirigiu-se para a praia. Sentada sob um guarda sol, iria finalmente ler o livro cujo título não havia compreendido.

Mergulhada na leitura, esqueceu-se do mar. E quando cansada olhou ao seu redor, enxergou o mundo pela primeira vez. Maria do Carmo havia ali acabado de nascer. Pensou na Mantiqueira, no Sapucaí e no seu jardim de hortências. Sentiu um incomodo até, então, desconhecido. Lembrou-se da missa aos domingos na Matriz e da primeira comunhão. Tudo parecia um filme fora do lugar.

Ao sair da praia, tomou uma decisão. Largaria a Faculdade de Biologia e faria o vestibular para História. Contaria a novidade a seus pais assim que voltasse para Minas Gerais nas férias de final de ano.

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