Construir Resistência

A música poderosa e os nossos músicos maravilhosos

Por Beatriz Herkenhoff

Ao pensarmos em alternativas coletivas no enfrentamento das sequelas deixadas pela #pandemia, a música desponta como um recurso potente. Quando 70% da população estiver vacinada e os riscos de contaminação pela #Covid-19 reduzirem, a iniciativa privada e os órgão públicos deveriam investir com força na cultura e na arte. Estimular a realização de shows ao ar livre, brincadeiras com músicas, danças, desenhos e atividades circenses que promovam a alegria da convivência e o resgate da energia que ficou represada e reprimida.

Nesse contexto, quero refletir sobre o poder da música para a cura psíquica, social, afetiva, emocional e espiritual de crianças, jovens, adultos e idosos. A ocupação dos espaços públicos como estratégia necessária. A música nos transporta para dentro de nós mesmos. Expressa os desejos mais escondidos. Fala do amor, da confiança, da esperança, da fé, da resistência, das tristezas, decepções, superações e alegrias.

Retrata a realidade social, as conquistas de um povo, suas carências, dificuldades e recomeços. A música também nos tira do chão, nos convida a dançar, sonhar, acreditar que um mundo novo é possível, nos leva a voar para lugares inimagináveis!

Sempre amei dançar, mas, nunca dancei tanto como nos últimos 10 anos (2009- 2019). Curti todas as oportunidades culturais oferecidas pela minha cidade #Vitória (ES), bem como pelos municípios próximos. Sempre fui a shows em na minha cidade. Eles renovam a minha alegria de viver.

Antes da pandemia, senti-me privilegiada ao participar do show comemorando os 50 anos de: Ivan Lins, MPB4 e Toquinho. Viajamos na memória afetiva, poética, musical e política do nosso Brasil. O público cantou, vibrou, aplaudiu, reverenciou esses ícones que marcaram lindamente a história da música popular brasileira. Músicas que falam da resistência, que denunciam o caos e anunciam a esperança. Relembram os amores bem vividos e os mal sucedidos.

Considero que o show foi perfeito! Denso, intenso, contagiante, envolvente, alegre e vibrante. A riqueza musical de cada um poderia deixar uma sensação de que “faltou essa música, e mais essa, e mais aquela”. Mas, para mim, isso não aconteceu, porque eles souberam escolher um repertório que fez a síntese das sínteses de sua trajetória como cantores, compositores e músicos que fizeram e fazem a diferença em nosso país.

O mais lindo é que eles dialogaram o tempo todo. Contaram histórias, cantaram juntos, separados. Complementaram, enriqueceram e potencializaram cada canção.

O #MPB4 arrasou cantado de forma harmoniosa canções como: “Cálice” (só essa música já valeu o show), “Amigo é para essas coisas”, “Iolanda”, “Sou eu” entre inúmeras músicas de #ChicoBuarque e outras de autoria do grupo. Em seguida entra #Toquinho com sua beleza ímpar; cantou: “Uma tarde em Itapoã”; “O caderno”; “Aquarela”; “O pato”.

Conseguiu nos levar ao universo infantil de suas músicas. Ao mesmo tempo mostrou sua virtuosidade com algumas músicas instrumentais. Trouxeram até nós: Banden Power; Paulinho Nogueira; Chico Buarque e Vinícius de Moraes. Depois, #IvanLins deu continuidade ao show cantando: ‘Começar de novo”; “Depende de nós”; “Somos todos iguais nessa noite”; “Vitoriosa”; “Desesperar jamais”; “Abre alas”; “Novo Tempo”; “Madalena”; “A bandeira do Divino”, entre outras.

Todas essas músicas estão em minhas entranhas. Foram gravadas e regravadas em minha história de vida.

Em 2016, #AlceuValença subiu ao palco em Vitória, com a orquestra de Ouro Preto para comemorar seus 40 anos de carreira. Foi a apoteose! Uma síntese das sínteses!

Sua potência multiplicada ao infinito! Sob a regência do maestro #RodrigoTofolo, as músicas de Alceu receberam arranjos inéditos para música de concerto. Alceu disse que só um maestro para fazê-lo obedecer e cantar sentado. Mas, dessa vez quem nos fez voar foi a orquestra criando e recriando Alceu Valença de forma lindíssima. A sintonia e sinergia com o público foi vibrante.

Guitarra, violão, baixo elétrico, bateria e percussão dialogaram com instrumentos típicos da sonoridade nordestina como sanfona, zabumba, tampa de panela, rabeca e marimbau que, por sua vez, unem-se a uma orquestra de cordas.
Dando continuidade a essas lembranças, curti o Viradão de Vitória nas edições de 2014, 2015, 2018 e 2019.

O centro de Vitória transformou-se num caldeirão de criatividade, cultura e alegria, com música durante 24 horas ininterruptas. Senti a energia e vibração de pessoas de todas as idades e classes sociais reunidas em torno de um único objetivo: celebrar a vida com todas as suas contradições. Pulei e dancei com cantores e bandas de estilos variados: Silva, Dead Fish, Cortejo de Congo, Zeca Baleiro, Chico Lessa, Duda Beat, Baiana System, Trio Virgulino, entre outros.

Fiquei encantada com as peças teatrais e performances criativas. Muitos talentos espalhados por metro quadrado.

Essa experiência mágica se repetiu quando passei o carnaval no centro de Vitória nos anos 2018 e 2019. As ruas ficaram lotadas e coloridas, um desfile de fantasias, com blocos transbordando alegria e gingado. Começando pela contagiante apresentação do bloco do Silva (2019).

E os blocos: Amigos da Onça, Badukdellas, Bloco Esquerda Festiva, Bekkos das Pretas, Regional da Nair, Afro Kizomba entre outros. Músicas alegres, com conteúdo de resistência e denúncia das desigualdades sociais, dos preconceitos e outras atrocidades vividas pelo povo brasileiro.

Alguns consideram que o carnaval é alienação. Eu considero que o carnaval afirma e reafirma a potência da população, sua beleza e criatividade, sua capacidade de trazer alegria para a vida mesmo diante de tantas adversidades.

Com essas vivências, meu corpo desabrochou para voar como uma borboleta que estava no casulo. E a alma se renovou a cada evento. A psique ficou mais confiante e o espírito mais leve.

O banho de mar a fantasia em Manguinhos é imperdível! Uma tradição belíssima que arrasta multidões!

Não posso deixar de falar também das mudanças em minha vida a partir da decisão de desfilar na #EscoladeSambaPiedade (2016-2019). Entrar no Sambódromo é algo indescritível. Mas, esse momento apoteótico vem acompanhado dos ensaios no Morro da Piedade, das feijoadas para conseguir recursos, da descida da mais querida pela rua sete e do esquenta antes de entrarmos na avenida.

Marcante também é o #ManguinhosJazz&BluesFestival (no feriado da Semana Santa). Em uma de suas edições teve apresentação de André Mehmari (São Paulo), um dos maiores pianistas da atualidade e da cantora de Blues, Taryn  (Rio de Janeiro), com o show “Negro Blue”. Apresentação da Fames Jazz Band, sob a regência do Maestro Daniel Dias, como convidado Felipe Lamoglia, saxofonista cubano.

Queria destacar a emoção que foi o show de #JairRodrigues. Jair sendo Jair, desceu do palco, cantou no meio do público, nos envolveu e contagiou com sua alegria.

Teria muito a escrever sobre a arte resgatando vidas em todos os Estados do nosso Brasil. Mas, concentrei-me no meu Estado e vou encerrar com uma homenagem às #Bandas de Congo.

Existem 66 bandas de Congo no Espírito Santo. São manifestações culturais que se expressam através da música, poesia, ritmo, dança, canto e religiosidade. Utilizam tambores, casacas, chocalhos e bandeiras próprias.
São imperdíveis as celebrações do congo na Barra do Jucu (entre dezembro e janeiro), quando acontecem as Festas das Fincadas e das Retiradas dos Mastros de São Benedito.

Infelizmente, tudo foi interrompido com a pandemia. Mas, temos que fazer memória para que a semente seja regada. Shows são fundamentais nesse processo de resgate da energia contida e represada entre quatro paredes!

Muito prejuízo (financeiro, psíquico e emocional) para os músicos, cantores, bandas e profissionais que trabalham na infra estrutura de um show. Muitos ficaram desempregados. Perda maior ainda para a população e para a cultura musical no Brasil.

Vamos valorizar a música em todas as manifestações e expressões culturais!

 

Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

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