A data é 19 de Setembro de 1965, um domingo. O lugar é o estádio Barão de Serra Negra, em Piracicaba, no Interior de São Paulo.
Ainda não existem as organizadas como as conhecemos. A torcida, então, aluga três ônibus para apoiar o time, que tem chance de quebrar o jejum de 10 anos sem títulos. A disputa na tabela é renhida, contra o Santos e o Palmeiras.
Nosso time conta com a jovem promessa Roberto Rivellino, além de Dino Sani e Flávio. O técnico é Oswaldo Brandão.
Naquela data, Elisa produz uns quitutes de encomenda, que deixa na casa da cliente. Depois, corre ao Anhangabaú encontrar seus iguais. Elisa é uma mulher negra, trabalhadora, servidora doméstica e talento da culinária, que enfrenta olimpicamente o preconceito racial e a injustiça social.
Ela carrega uma bandeira branca, com nosso belo símbolo. Foi confeccionada em sua própria máquina de costura Singer, numa madrugada longa e fria da Terra da Garoa.
No estádio, Elisa conduz nossa galera, erguendo e agitando seu pavilhão sem mastro. Está alegríssima. Vencemos o XV de Novembro por 3 a 1, com um gol do Reizinho do Parque, um de Flávio e outro de Marcos.
Uma turma de torcedores dos donos da casa, no entanto, se zanga com tamanho júbilo. Dizem coisas horríveis a Elisa, palavras que hoje gerariam prisão por crime inafiançável. Depois, roubam-lhe a bandeira, que é rasgada e, depois, queimada.
No caminho de volta, na noite da estrada, Elisa podia estar chorando pela desfeita. Mas está sorrindo, porque, afinal, o Time do Povo venceu e se credencia a levantar a taça.
Muita gente ouve do que sucedeu com Elisa, ela que é tão boa e pacífica. No ano seguinte, ela vira atriz, erguendo bandeira parecida no Pacaembu, no filme “O Corintiano”, do compa Amácio Mazzaropi.
Nesse mesmo 1966, ela vira personagem da magnífica peça “Corinthians, Meu Amor”, do dramaturgo César Vieira, nome artístico do advogado Idibal Pivetta, que mais tarde se tornará um dos mais obstinados defensores de presos políticos durante a Ditadura Militar.
Mas, voltemos a 1965… O Coringão tinha tudo para sagrar-se campeão, mas tem um péssimo fim de campeonato. Foi o chamado dezembro da desilusão.
Perde do Palmeiras no Pacaembu, e da Ferroviária, na Fonte Luminosa. Depois disso, amarga um empate sem gols com o Botafogo, em Ribeirão Preto. Com isso, o Santos de Pelé praticamente garante seu nono título na competição.
Restava, no entanto, um último jogo do ano para o Coringão, no Parque São Jorge. Era uma quarta-feira, 15 de dezembro, e o adversário era justamente o XV de Piracicaba, partida válida pelo segundo turno.
Na entrada em campo, então, uma surpresa: a correção da civilidade. Os atletas do Nhô Quim pisam o gramado com uma bandeira do Corinthians, muito parecida com aquela destruída no incidente de setembro.
Gentilmente, a entregam a Elisa, que agradece muito e sentencia: “obrigado, meus filhos, porque ressentimento não é coisa pra uma corinthiana como eu”. Vencemos o jogo por 7 a 0. Nossa líder não quer que façamos troça dos adversários. Eles pediram desculpas; então, não deve se cultivar a mágoa.
Elisa subiu à arquibancada de cima em agosto de 1987, aos 77 anos, depois de prestar inestimáveis serviços à causa do rito civilizatório. No futebol, estimulava os jogadores e torcedores, sempre pregando luta, fé e tolerância. A todos que iam ter com ela, tinha sempre um sorriso e um gesto de carinho.
Em março de 2016, pelo NECO Mulher, Mônica Toledo, Analu Tomé, Maria Angélica Oliveira Nascimento, Thais Kusuki, Aurélia Madrecita, Natália Trindade, entre outras companheiras, reinauguraram o Memorial de Elisa, no Parque São Jorge.
Uma linda placa foi instalada no monumento, com a frase “será eternamente lembrada por toda a Nação Corinthiana”.
É dessas coisas e pessoas que temos de lembrar. Esse é o nosso ethos, nunca aquele da hostilidade, da mágoa e da divisão. Que sejamos todos mais Elisa!