Por Beatriz Herkenhoff
Falar sobre a morte é uma tarefa difícil, mas, necessária.
Não vou refletir sobre milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas nessa #pandemia, isso será tema para outro momento. Vou tentar mergulhar na temática do luto.
Como vivê-lo? Que desafios se colocam quando o país e o mundo vivem o luto de milhares e milhares de pessoas? Como ser solidária? O que falar? O que calar ao me fazer presente ao lado daqueles cuja dor é dilacerante?
Vivemos a tristeza diária de pais perdendo filhos, filhos perdendo pais e irmãos, avós perdendo filhos e netos, esposas perdendo seus companheiros e vice versa, amigos nos surpreendendo ao fazer sua passagem. Perdas e mais perdas!
Vivemos um luto individual e coletivo.
A tristeza toma conta e os sentimentos se misturam: choque, indignação, raiva, culpa, busca de explicação, saudade, resgate das histórias daqueles que não estão mais aqui. Ficamos sem chão, um buraco se abre e achamos que não conseguiremos sair mais.
A sensação é de que nossos sonhos e projetos chegaram ao fim, o desejo que nos move desapareceu. Ficamos perdidos.
Algumas crenças e valores são obstáculos para que vivamos esse momento de luto, como: sentimentos de culpa, condicionamentos para sermos fortes, a negação da dor, a autopiedade, entre outros. E nesse momento de #pandemia, a solidão.
Amigos que sempre nos deram colo, amor, proteção, não podem nos visitar, abraçar, ouvir e acolher. Temos que reinventar formas de estarmos juntos mesmo na distância.
Por que a culpa se faz tão presente na morte? Porque nos sentimos impotentes, e temos a ilusão de que poderíamos evitar aquele acontecimento.
Também porque a culpa estava adormecida. O sentimento de culpa foi sendo construído culturalmente desde a mais tenra idade.
Nesse momento de luto, não podemos ter pressa, o processo de despedida é lento. Entretanto, fomos condicionados socialmente, a ter pressa sempre.
A vida exige pressa, perfeccionismo e resolutividade.
Como romper com essas crenças e ter compaixão da nossa dor? Aceitar que podemos ficar mal, sem vontade de fazer nada. Ao mesmo tempo, como não cair na armadilha da autopiedade e no apego a sentimentos negativos?
A morte traz à tona também o medo de morrer, medo do futuro, medo de perder aqueles que amamos. Como trabalhar a ansiedade e o medo?
Como me tornar mais humano, mais solidário e mais sensível? Como expressar com mais frequência os sentimentos de amor, de alegria, de compaixão, de perdão, de aceitação do outro em seus limites?
#Freud, em seu texto “luto e melancolia”, escrito em 1915, afirma que a morte é uma perda radical, sem retorno. Por isso precisa ser elaborada e simbolizada.
Se o luto não se consolidar, pode se transformar em melancolia, muito mais difícil de ser tratada e superada. No luto, vivemos um processo dinâmico e contraditório, por isso, somos convidados a nos colocar em movimento.
É preciso coragem para ir ao encontro de nossas dores, mas, essa é a única forma de ressignificar a nossa própria existência, de sermos pessoas melhores e construirmos um mundo melhor, partilhando e apoiando aqueles que passam por momentos semelhantes. Ao ajudar, somos ajudados.
Passar pelo turbilhão da negação, da raiva, da tristeza, da depressão, para atingirmos a aceitação, é um processo difícil, por isso, se o fazemos coletivamente, fica mais fácil, pois, o amor que circula no grupo é curativo. Se vivemos a dor, se sentimos saudades, é porque amamos intensamente.
Vivemos uma linda experiência de amor com aqueles que não estão mais aqui. Resgatar esse amor, relembrar momentos bons, também é uma forma de nos despedir e renovar nossa energia.
Como dar continuidade aos seus sonhos e projetos? A crise nos convida à revisão de vida;
Passei por muitos lutos: perdi meu pai com 6 anos, meu tio com 14 anos, perdi primos queridos, uma prima que era como irmã, três bebês (abortos espontâneos) e na pandemia estou perdendo muitos amigos amados. Eu superei meus lutos através de um tripé:
1. Vivência da fé, da oração e busca constante de crescimento espiritual;
2. Ajuda profissional (a terapia foi fundamental para lidar com as perdas daqueles que amo);
3. O engajamento em movimentos que me levaram ao encontro daqueles que vivem perdas maiores do que as minhas. Perdas relacionadas à morte, mas, também perda do mínimo necessário para sua sobrevivência, moradia, trabalho, educação, saúde, dignidade, respeito entre outros.
Por isso, digo para aqueles que têm vivido perdas:
Cada um encontrará o seu jeito de passar por esse túnel, mas, não retenham nada.
Deixem sair a decepção, a desilusão, a dor, a incompreensão, o sentimento de injustiça, de tristeza, de raiva. Esvaziem a mente, o corpo, o espírito de tudo que paralisa. Escrevam, orem, chorem muito, chorar lava a alma. Conversem com amigos, busquem ajuda profissional.
E, no tempo certo, voltem a plantar flores onde há pedras, e elas brotarão!
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.
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ADOREI
o texto da profa Beatriz Herkenhoff! Falar sobre a morte, sobre o processo do enfrentamento da ‘indesejada das gentes, como dizia Bandeira, e de como o reflexo disso nos afeta, neste momento em que ela está no foco de todos os assuntos, bom, é pra lá de necessário! Obrigado, professora!
Gratidão pelo seu retorno Luiz. Falar sobre o luto e nos solidarizar com todos que sofrem, é uma contribuição que podemos dar. Que possamos ir sempre ao encontro do outro e fazer a diferença, abraços, BEATRIZ
PARABÉNS Beatriz!
Tenha certeza que essa crônica servirá de aprendizado para e para ajudar outras pessoas nesses momentos tão difíceis.
A minha admiração por você só está crescendo.
Parabéns Beatriz, minha querida colega, amei a sua crônica, pois este momento pelos quais tdos nós passaremos, precisa mesmo ser alentado, e o tripé apresentado, segui-lo , vejo como fundamental, necessário a tdos que estiverem passando pelo triste momento de luto.
Muito feliz com seu retorno Elias. Meu maior desejo é esse: que minha crônica sobre o luto possa tocar pessoas e estimulá-las a seguir em frente ressignificando a vida. Gratidão por estar contribuindo também para o meu crescimento, abraços, Beatriz
Amei o diálogo que você está fazendo comigo querida Penha. Estamos vivendo um momento muito difícil e não podemos nos omitir. A solidariedade é essencial. E esse tripé que você mencionou foi o caminho que eu encontrei para superar meus lutos, beijos Beatriz
Obrigado Beatriz, estava precisando ler algo assim. Beijos
Muito feliz por te encontrar aqui Adelson. Muito grata por saber que de alguma forma toquei o seu coração. Que eu possa caminhar de mãos dadas com você nesse momento, beijos, receba meu carinho, Beatriz
Linda crônica, Beatriz!
Suas crônicas são inspiradoras. Esta pra mim foi a mais emocionante! Principalmente nesta época em que perdi amigos de forma tão inesperada. Ela me levou também a refletir sobre perdas ocorridas ao longo da minha vida, não apenas em época de pandemia. Perdas ocorridas por escolhas que, mesmo acertadas, me fizeram “perder algo”, para escolher o que parecia mais importante naquele momento.
Continue escrevendo, sendo apoio que nos ajuda a construir resistência!
Gratidão Maria José por seu feedback que me estimula a dar continuidade ao tema. Culturalmente a morte gera um medo imobilizador. E nesse momento tão triste de perdas, temos que buscar canais para elaborarmos o luto coletivamente. beijos, Beatriz