A morte e as mortes de Anísio Teixeira (12/7/1900 – 12/3/1971)

Por Sonia de Castro Lopes

 

Anísio Teixeira, um dos maiores educadores que o país já conheceu, foi visto pela última vez com vida no dia 11 de março de 1971. Saiu de uma conferencia na Fundação Getúlio Vargas (FGV) na Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, e encaminhou-se à residência do amigo Aurélio Buarque de Holanda. Em campanha para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), combinara de almoçar com o amigo para pedir-lhe o voto, tradição de todos os que se candidatam à ABL.

 

No dia seguinte, seu corpo foi encontrado no poço do elevador do prédio do imortal. A versão oficial foi a que ele caíra acidentalmente, mas amigos e familiares sempre suspeitaram de assassinato. No Auto de Exame Cadavérico,  dois médicos legistas atestaram que a morte se deu em 12 de março, mas não concluíram sobre a causa ter sido acidental. Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) começou a investigar o caso e as suspeitas sobre as circunstâncias da morte de Anísio aumentaram. Seu filho, Carlos Teixeira, entregou documentos à CNV e a investigação avançou, mas infelizmente não chegou a ser concluída.

 

A impressão que temos ao nos debruçar sobre a trajetória de Anísio Teixeira é a de alguém que apostou na democracia liberal e no poder da educação como força capaz de operar transformações sociais. Sob a mira do reacionarismo católico e de governos autoritários (o governo de Vargas na década de 1930 e a ditadura civil-militar instalada a partir do golpe de 1964), sua obra educacional foi desmontada por duas vezes e a sensação que fica é a de uma obra inconclusa, uma missão que não se cumpriu.

 

Paradoxalmente, o liberalismo de Anísio alimentou tanto o rancor das forças conservadoras quanto as críticas dos que se declaravam progressistas. Acusado pelos primeiros de comunista, recebeu também o rótulo de tecnicista e americanista ou, sob forma mais amena, utópico e iluminista. A verdade é que, como nos lembra Clarice Nunes, Anísio escapa, foge a qualquer classificação, “espalha-se numa simultaneidade de rostos inventados a cada decisão que o acolhe.” (1)

 

A perspectiva filosófica de John Dewey (1859-1952) parece ter modulado o liberalismo democrático de Anísio Teixeira, postulante da idéia de que uma sociedade verdadeiramente democrática só seria alcançada garantindo-se o direito de todos à educação. Identificando-se com a vertente norte-americana da Escola Nova, encampando os princípios de liberdade de pensamento e expressão, respeito e incentivo aos talentos individuais, Anísio compreendia a educação como o instrumento mais perfeito para promover mudanças visando inserir o país nos padrões da modernização econômica e social já atingida pelos países industrializados. Em seu entender, esse objetivo só seria alcançado se fossem oferecidas oportunidades para a inclusão de crianças e jovens na esfera da cidadania por meio do desenvolvimento de uma rede escolar de qualidade. Um desafio que somente poderia ser superado pela ação do Estado.

 

Outra chave para se entender o pensamento de Anísio encontra-se na concepção de Hannah Arendt sobre os regimes totalitários. Democrata radical, ela defende a tese, segundo a qual “a vitória totalitária pode coincidir com a destruição da humanidade, pois, onde quer que tenha imperado, minou a essência do homem. (2) Esse humanismo tão professado por Anísio faz falta nesses tempos de retrocesso que parecem nos devolver à barbárie.

 

É preciso compreendê-lo historicamente, como um homem inserido no seu tempo. Signatário do Manifesto da Escola Nova (1932), Secretário de Educação do Distrito Federal entre 1931 e 1935, à frente da Capes e do INEP na década de 1950 e primeiro Reitor da Universidade de Brasília, por ele criada em 1962 em parceria com Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira dedicou sua vida à luta por uma escola pública de qualidade, universal, laica e gratuita.

 

Hoje, quando a educação enfrenta dificuldades aparentemente insuperáveis, ao mesmo tempo em que as pesquisas de opinião constatam a sua importância, é preciso revisitar essa tradição pedagógica democrática da qual Anísio faz parte. Num momento em que setores antifascistas tendem a dialogar para defender respeito e tolerância face à pluralidade, será preciso renovar energias e somar forças para combater o mal que se avizinha no horizonte. Hoje, mais do que nunca o pensamento de Anísio Teixeira constitui um solo de reflexão e ação do qual não se pode prescindir.

 

Notas da autora

(1) NUNES, C. Anísio Teixeira entre nós: A defesa da educação como direito de todos. Educação & Sociedade. n. 73, p. 9-40, dez./2000.

(2) ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

 

 

 

 

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