Por Almir Aguiar
O 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, tem uma importância muito grande para toda a sociedade. Este ano, a data tem desafios redobrados.
Para mim, em particular, representa um privilégio o que o destino me concedeu: o de ter nascido nesta data que tem um simbolismo muito forte na luta racial no Brasil. Minha vida sempre esteve relacionada a esta questão histórica, enquanto cidadão, bancário, sindicalista, secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT (Confederação Brasileira dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), membro militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e Secretário Municipal de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro.
Racismo: uma construção social
Tenho doces lembranças de minha infância e, “na beleza da inocência das crianças”, posso afirmar e testemunhar que ninguém nasce com preconceito racial, mas o racismo é uma construção social, a começar por seu aspecto estrutural, disseminado na mídia, na literatura, na cultura de massa, em empresas e instituições.
Desde que os primeiros africanos chegaram ao Brasil nos navios negreiros, em 1535, a população negra enfrentou a escravidão, fruto da visão etnocêntrica branca, europeia, e ainda hoje, mesmo sendo a maioria da população brasileira (56%) o negro vive subjugado, à margem da sociedade e dos direitos a uma vida e a um trabalho decente de uma sociedade impregnada pela lógica da casa grande e da senzala e cujo povo é visto pela burguesia, como dizia o antropólogo Darcy Ribeiro, como carvão para queimar e gerar lucros para uma elite ranzinza, mesquinha, perversa e azeda. O racismo estrutural construiu uma dívida social histórica e secular contra negros e negras que precisa ser paga, e esta dívida jamais virá como concessão, mas só poderá se realizar, na luta de classes.
Violência contra crianças negras
O Rio de Janeiro, como os demais grandes centros urbanos do país, confirma que os números da violência trazem a morte de centenas de crianças pobres, a maioria, negras das favelas e periferias. De 2016 a 2021 pelo menos 30 crianças nestas regiões foram mortas, 70 feridas e 100 foram baleadas na região metropolitana. Enfim, as balas perdidas sempre acham as crianças negras. A violência policial contra a população negra se constitui num verdadeiro extermínio de jovens negros, que são maioria entre os negros que representam cerca de 80% das mortes por ações policiais.
Não é incomum nas cidades, policiais abordarem negros nas favelas enquanto que um infrator branco escapa com facilidade.
Fome e desemprego
As crianças negras que escapam dessa guerra crescem num ambiente desfavorável, sem acesso à saúde e à educação de qualidade, com mais dificuldades para conseguir emprego, e ainda mais para ter ascensão profissional, mesmo quando possuem o mesmo nível de escolaridade dos brancos. A fome, que cresce no Brasil a passos largos, também atinge muito mais a população negra. É preciso mudar este abismo social que tem conotação racial.
Minha luta, minha vida
A perspectiva de nossa luta hoje é o Fora Bolsonaro, cuja conjuntura aprofundou o racismo, a desigualdade e a intolerância no Brasil. Precisamos derrotar esta tragédia política, econômica e social e para, somente então, resgatar as políticas afirmativas criadas pelos governos Lula e Dilma e avançar na justiça e na igualdade social.
Tínhamos uma Fundação Palmares em defesa da causa e da cultura negra, e hoje é triste ver esta instituição dirigida por um negro não apenas aculturado (Sérgio Camargo), mas que persegue a luta histórica da população afrodescendente, agindo como um capitão do mato, chegando ao cúmulo de acusar o movimento negro de “escória maldita” e dizer que Zumbi era “um filho da puta que escravizava pretos”.
Esta é a luta da minha vida: valorizar a cultura e a história negra no Brasil, garantir a reparação da dívida racial histórica e promover a emancipação do povo brasileiro. Inspirado nos heróis do passado, como Zumbi dos Palmares, Luiz Gama, os irmãos Rebouças, Juliano Moreira, Dandara dos Palmares e mais recentemente, Abdias Nascimento, Marielle Franco e Benedita da Silva, e na música, figuras emblemáticas, como Cartola, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara e Gilberto Gil, para citar somente algumas personalidades negras, mais do que nunca, quero ajudar a enfrentar o desafio contra o racismo ante um retrocesso sem precedentes de um governo genocida, que faz apologia do preconceito racial e despreza a cultura, os valores e as personalidades negras de nosso país.
Hoje temos médicos, engenheiros, jornalistas, arquitetos e cientistas negros que se formaram graças aos programas educacionais e sociais criados nos governos do PT. Que estes jovens vencedores se engajem mais e mais nesta luta que é de todos, negros e brancos.
Neste dia 20 de novembro, ao completar 57 anos, tenho na inspiração da luta pela igualdade racial, as minhas forças renovadas para enfrentar os desafios de minha vida dedicada inteiramente e com satisfação, à causa contra o racismo. Se nos unirmos, o futuro certamente nos trará novos tempos, dias melhores, um Brasil com a esperança reacesa de construirmos uma nação justa e com igualdade de oportunidades para todos.
Este amanhã é construído hoje, por todos nós, na luta, a luta de nossas vidas.
Almir Aguiar é secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT, Secretário Municipal de Combate ao Racismo do PT/RJ e membro do Movimento Negro Unificado (MNU)