Por Beatriz Herkenhoff
Mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com algum tipo de deficiência e sofrem com a discriminação e o isolamento.
A sociedade organizada e os poderes públicos têm como desafio reduzir a desigualdade e promover a inclusão social, econômica e política de todas as pessoas com deficiência.
Muitos são os caminhos e formas de garantir a inclusão social. Por ter acompanhado, recentemente, a #Paralimpíadas de #Tóquio, decidi escrever sobre a inclusão através do esporte.
Nesse contexto, os pais Rodolpho e Lucimar contam a história da Nanda: linda jovem com #SíndromedeDown, que canalizou sua energia para o esporte, a música e a pintura. Desde os anos 1990 eu aprendi muito com a Nanda… A forma como canta, dança e ama os esportes.
As Paralimpiadas
As Paraolimpíadas colocam-nos em contato com o belo que se manifesta em cada atleta, com seu exemplo de luta, rompendo limites e amor pela vida. Questionam o modelo de perfeição imposto pela sociedade. Geram empatia, identidade e compromisso.
Eu estava presente na abertura da XV Paralimpiadas no #RiodeJaneiro em 2016. Foi linda e provocativa. Encantou o Brasil e o mundo.
Convidou a sociedade a mudar o seu olhar e sua percepção sobre a pessoa com deficiência. Colocou em pauta o debate sobre a inclusão social.
Chorei copiosamente com o desfile dos atletas. Fiquei imaginando a história de cada um, a dor vivida pelos familiares e ao mesmo tempo as alegrias e conquistas. O amor incondicional que tornou aqueles atletas potentes diante das adversidades da vida.
Na abertura, o nadador brasileiro #ClodoaldoSilva, em sua cadeira de rodas, carregou a chama paraolímpica. Mas, uma enorme escadaria o separava da pira olímpica, foi quando se abriu uma rampa e ele conseguiu levar a tocha ao alto. Momento forte e emocionante, carregado de símbolos sobre a importância da acessibilidade e da inclusão.
O norte americano #AaronWheelz, que nasceu com uma má formação congênita (espinha pífida), também emocionou a todos com sua coragem e ousadia. Desceu com sua cadeira de rodas uma rampa de 17 metros (equivalente a um prédio de seis andares). O público no #Maracanã vibrou e aplaudiu de pé, enquanto os fogos de artificio iluminavam o céu do Rio de Janeiro.
As lágrimas continuaram saindo com força de meus olhos quando o maestro #JoãoCarlosMartins também emocionou ao tocar ao piano o hino nacional brasileiro.
Sem palavras para descrever tudo que senti e vivi ao assistir as competições. Fiquei impactada com tantas modalidades esportivas: Atletismo, Bocha, Canoagem, Remo, Ciclismo de estrada e de pista, Futebol de cinco, Futebol de sete, Goalbaall, Hipismo, Judô, Levantamento de peso, Vôlei sentado, Tênis de mesa, Triatlo, Tiro esportivo, Basquete de cadeiras de roda, Tênis em cadeira de rodas, entre outros.
Naquela ocasião, os atletas brasileiros atingiram um recorde de 72 medalhas. Cada vitória foi muita comemorada. Mas, o que eu percebi ao transitar durante vários dias nos espaços dos jogos, é que todos eram vitoriosos. Senti o poder do esporte na superação de obstáculos e na construção de novos sentidos para a existência.
Em 2021, volto a me emocionar com os Jogos Paralímpicos de Tóquio. A #pandemia não permitiu a presença do público. O que deu um aperto em meu coração. Mas, as delegações vibraram de forma mais forte ainda, levando a nossa energia de amor e admiração para os atletas que nos sensibilizaram com sua garra, alegria e determinação. As cerimônias de abertura e de encerramento foram lindas e marcadas pela celebração da diversidade, da esperança e da inclusão.
A intensidade da Nanda
Convidei Lucimar e Rodolpho para contar a história da Nanda e a importância do esporte em sua vida:
“Não houve um planejamento na concepção da Nanda. Tivemos um período de gestação tranquilo e já amando muito nosso bebê. Para nossa surpresa, Nanda nasceu com Síndrome de Down, o que nos assustou bastante.
Perdemos alguns dias questionando o que fazer e por que aconteceu com a gente. Foram dias de luto até partirmos para a luta.
Recebemos apoio da família e dos amigos. Eles nos impulsionaram a correr atrás de tudo que era possível para garantir uma qualidade de vida para Nanda.
Ela nos ajudou a crescer, nos mostrou que a luta deve ser para todos. E foi assim que direcionamos nosso trabalho, não só pensando na Nanda, mas em lutar por todos que precisam conquistar sua independência e garantir seus direitos e sua inclusão no mercado de trabalho e na sociedade.
Rodolpho passou a se envolver com as #Apaes e eu nas escolas, lutando pela inclusão escolar. Na fase da alfabetização da Nanda, nossa grande expectativa era saber se ela iria ler e escrever. Foram alguns anos tentando e nos frustrando. Além de frequentar a escola regular passou a frequentar também a APAE – Vitória. Foi lá que ela teve oportunidade de deslanchar seus talentos: teatro, pintura, música, natação e dança.
Passamos a proporcionar oportunidades para ela fazer o que gostava. Concluímos que o mais importante para Nanda é ser feliz, independente dela não saber ler e escrever.
Como a #FederaçãoNacionaldasApaes promove de três em três anos as Olimpíadas Nacionais, Nanda, por algum tempo, foi atleta de natação. Sempre trouxe medalhas, inclusive de ouro. O esporte trouxe para ela uma estruturação física que proporcionou muita força, equilíbrio e saúde.”
Rodolpho destaca dois momentos marcantes da participação da Nanda nas Olimpíadas:
“Numa prova de 25 metros, no momento da chegada, a família e os amigos entusiasmados, começaram a vibrar e gritar pelo nome dela. Nanda não bateu a mão na borda da piscina e perdeu a medalha. Esse fato, não fez nenhuma diferença para ela. O mais importante foi sentir o calor, a interação, a participação e a presença das pessoas valorizando e estimulando sua natação. A autoestima estava acima do ouro da medalha.
Outro grande momento foi nas Olimpíadas Nacional em Belo Horizonte. Nanda e a amiga Renata (ambas com 15 anos) representavam o Espírito Santo na competição nacional. Na prova dos 50 metros, a Nanda ultrapassou todos os nadadores. Bem próxima da chegada viu que a amiga Renata tinha ficado para trás e estava desanimada. Ela parou de nadar e começou a gritar: ‘vem Renata, nada.’ E a Renata acabou ganhando a competição. Nanda ficou em quarto lugar com uma medalha por participação (dada para todos). Em nenhum momento ela ficou chateada por não ganhar a medalha de ouro. Não fazia distinção, o importante era participar e ser solidária com a amiga.”
Rodolpho e Lucimar afirmam:
“As pessoas com deficiência nos mostram o verdadeiro sentido das olimpíadas (Paralimpíadas) que é a participação. Todos são vitoriosos. Corremos atrás do ouro, e esquecemos a solidariedade com os irmãos.”
Lucimar conta que
“A APAE foi fundamental para a nossa percepção das potencialidades da Nanda. Por causa dela viemos morar em Manguinhos (ES), para que participasse de outras modalidades de esporte como: capoeira, surf , stand up , caminhadas na praia, slack-line e outros. Ela é bem inserida na comunidade, justamente pela agregação que o esporte proporciona, principalmente às pessoas com deficiência. O esporte tem ajudado muito na autoestima da Nanda e com certeza de pessoas com deficiência que praticam algum esporte.”
Que possamos mudar o nosso olhar, gestos e atitudes excludentes!
Que possamos construir um mundo novo, mais acessível, justo, igualitário, solidário e fraterno.
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).