Construir Resistência
Foto: Arquivo pessoal

A hora dos metais

Por Virgilio Almansur

Uma simples corneta… Um simples trompete espanca a escória de tanquetes vagabundos, uma sucata que já teve uma túrgida rainha e namoradinha que na cultura ajudou seu desmonte.

São esses trastes que têm o desplante e escrotidão canhoneiros em deter nosso maior rouxinol que levou esperança diária, com seus lindos trinados, a um verdadeiro presidente — preso nos seus indevidos 580 dias curitibanos.

Um simples metal afrontou aquele grotesco amontoado de latas velhas a fazer inveja aos caldeirões dos sábados medíocres. A fala do comandantezinho da marinha doce deu na medida, por ato falho, o que é construir no lugar de conduzir: “Houve uma passagem de um comboio e uma prestação de contas à sociedade, dando visibilidade ao exercício que está sendo construído, quer dizer conduzido… Tradicionalmente é conduzido.” Um espanto!

Quando disse, recentemente aqui, que as “fossas armerdas” estavam ávidas em recuperar protagonismo, elas o revelam na frase do baixo garnizé quando diz prestar contas à sociedade dando visibilidade que está sendo construída. Não por acaso, o indigente recruta um pouco antes claudicou: “… Quando se fala em tanque na rua, fala-se de outra coisa. Tanque na rua é tanque para… Lembra tanque para conter manifestações… Não é nada disso.”

Como não é nada disso? É! É para conter sim a pátria que diz defender — e casuística e torpemente por ela morrer, uma outra redonda mentira! Mentem! Roubam! Prevaricam! Matam! Torturam! Escondem cadáveres. E vem dizer que presta contas à sociedade? Vagabundo!

O músico Fabiano Leitão foi detido por tentar interromper a passeata estúpida que mais nos envergonha — tanto interna como externamente. Seu ato é resistência; a mesma que o acompanha no “Olêêê, olê, olê, olááá! Lulááá, Lulááá!” Um mote sonoro que desafiou o poder juristocrático e desafia ainda o pretenso engalanado sem poder. Continuamos cada vez mais párias e sob deboche.

Mas o escândalo maior ainda se oculta atrás desses rebutalhos mecânicos: mostrar carência e ferro velho aos incautos — mesmo que precisássemos desse lixo num necessário embate com nossos vizinhos tão violentos e ameaçadores — é desviar as atenções às lagostas e prime ribs seleção raças britânicas que o oficialato junta aos leites condensados e seus milhões de chicletes. Ultraje à rigor! Pior: passivamente pagamos à corja militar e nós é que nos ultrajamos…

O ato de Fabiano foi de sucesso: incomodou. Provavelmente, com mais companheiros, impediria a marcha da insensatez. Teve seu trompete ferido; este é parte de nós que resistimos. Já me prontifiquei na ajuda para a aquisição de outro instrumento. Resistiu sim à prisão e não negou. Viva a resistência!

Acompanhemos mais o nosso trompetista: “O ato era mesmo para interromper o comboio. Eu toco o trompete como um despertador, para as pessoas irem à luta!” Essa desenvoltura é fundamental para que mais vezes a PM venha enfrentar desobedientes. Trata-se de uma desobediência que amplia as tão necessárias resistências. Resistência! Sempre! Se no boletim de ocorrência da PM, consta que o homem “invadiu a área restrita do desfile” e “se colocou na frente de um dos tanques para impedir a passagem”, essa é a mensagem. Guarde-a! Ao Fabiano cabe colocá-la num quadro. Vivas à resistência!

Mais: “… Ele resistiu à contenção e retirada do local”, diz trecho do boletim de ocorrência. No âmago da ocorrência, a resistência… Resistiu cornetando. Nunca foi tão atual e providencial cornetar… Zuar, rir da cara do outro, ato de falar algo “engraçado” de outrem, se somam ao bravo corneteiro e seu metal, um vigoroso trompete, uma bela vuvuzela incômoda que, enquanto metal, deu o tom do desfile. É a hora dos metais que jamais serão blindados!

 

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

Trompetista Fabiano Leitão. Foto: O Globo

 

           
Tanques na rua. 10/08/21. Foto: El Pais

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