Construir Resistência

A Galeria Casa da Barra

Por Ângela Bueno

Era uma casa muito engraçada…

Diferente das outras casas da rua, tinha a graça, o encantamento de ser a moradia de uma família de mãe e filho, e ser, ao mesmo tempo, um ateliê e uma galeria das artes produzidas pelo artista #ThiagoBalbino, morador do local. A casa tinha até um nome:

Casa da Barra. Poderia se chamar também casa de sonho, casa da esperança. 

Atualmente, a Casa da Barra abriga a exposição #AKOJOPO, do artista Thiago Balbino. AKOJOPO, palavra de origem #iorubá, significa colagem, combinação.

De acordo com o artista,  os elementos colados sugerem um mundo mágico com recortes de elementos culturais ancestrais para construir um viver em equilíbrio no futuro. O passado, o presente – o congo e o mangue-, e o futuro, misturados nas obras de  Thiago apontam que não há como sonhar um futuro e reescrever a história sem levar em conta esses três tempos. 

Sonia, a mãe de Thiago, postou em um grupo de amigas do qual faço parte, que após idas e vindas à #SecretariadeEducaçãodeConceiçãodaBarra ( ES), cidade onde se situa, a Casa da Barra, essa casa tão ímpar, tão maneira, conseguiram que fosse autorizada que as escolas públicas locais, realizassem visitas guiadas às exposições da Casa da Barra. 

Após a primeira visita ter sido realizada por uma galerinha de sete a oito anos,  de uma escola pública, Sonia, que já havia falado da alegria e de como o  Thiago se  preparou para receber a garotada, escreveu assim:

Foram tantas perguntas, olhares sinceros, do querer saber, do fantasiar! Dá uma esperança danada na gente!

Nos dar esperança, nos possibilitar esperançar e voltar a ver luzes no final do túnel,… Isso soa como um presente para mim e acredito que para todxs  nós que andamos tão carentes de esperança nestes tempos atuais.

Tempos da #Covid-19, tempos de destruição do patrimônio do estado Brasileiro, tempos de desemprego e fome para uma enorme parcela da população de nosso país. Tempos difíceis!

Se #Dostoiévski vivesse no Brasil atual, iria ter que mudar a sua frase célebre  do Romance Irmãos Karamazov:

“Se Deus não existe, então tudo é permitido.” 

Aqui em nosso país, tudo foi permitido em Nome de Deus. Toda a destruição do patrimônio estatal, as perdas dos direitos trabalhistas, o desemprego e, consequentemente, o aumento  da fome e da miséria da população, vem sendo realizada, por nossos des-governantes, usando o nome de Deus.  Que venham mais visitas, mais exposições e mais esperança!

Da Casa da Barra e de outros espaços e movimentos artísticos, culturais e solidários espalhados por nosso Brasil!  Vale ressaltar que a Casa da Barra, caberia em qualquer  grande centro do país. 

   

Fotos: Sonia Rodrigues da Penha

 

Algumas referências para quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho do Thiago Balbino:

Memorabilia * – atos, traços para além da memória

A arte faz parte da vida do ser humano. Somos todos criadores, geramos ideais, concluímos, analisamos e realizamos leituras, ampliamos nossos conhecimentos e de novo geramos novas ideias: somos parte de um contexto sociocultural. Neste “lugar” aprendemos a andar, falar, conceituar e agir, neste determinado tempo e espaço, mediados pela linguagem, interagimos com todos os outros sujeitos e coletivamente transformamos e somos transformados pela cultura. Cada um, a seu modo, compreende mundo de uma forma diferente. A razão, os sentimentos e a imaginação são elementos importantes na leitura sensível do mundo, e não se dissociam. A arte é a expressão desta leitura. Assim, essa expressão acontece em diferentes linguagens: a língua oral materna, o código escrito, o corpo, o olhar, as imagens, as cores, o som, os ritmos e outras inúmeras formas de expressão humana, a partir das quais construímos ideias e adicionamos ao que já sabemos elementos novos, ampliamos nosso repertório pessoal e enriquecemos o mundo.

Propondo e construindo outras dimensões e possibilidades de existência, a arte projeta-se para além de seus limites acadêmicos e formais. Exercitando afetos e perceptos, demonstrando, dentro da esfera do mundo dado, uma infinidade de meios e visões, possibilitando a experimentação e decodificação de diferentes signos de comunicação e expressão humana, sempre com a perspectiva de gerar estímulos variados.

Desenhar é ver, é trazer ao Visível. Uso o desenho como instrumento do pensamento… Como consequência produzem-se um olhar e pensamento mais claros, ágeis e reveladores. É por meio do desenho que percebo e elaboro questões de meu interesse – como um pensamento, uma superfície, um corpo, algo que se projeta no espaço. … O desenho é fragmento do movimento que o atravessa.

Flávia Ribeiro (In Disegno. Desenho. Desígnio. 2007. Pág. 97)

Segundo FaygaOstrower, o homem dispõe em sua memória de um instrumental para, em diferentes tempos, integrar experiências já realizadas com outras que ainda pretende fazer. Reforçando a interpenetração da memória no poder imaginativo e criador, nos diz que,

“Além de renovar um conteúdo anterior, cada instante relembrado constitui uma situação em si nova e específica. Haveria de incorporar-se ao conteúdo geral da memória e, ao despertá-lo, cada vez o modificaria, modificaria-se em repercussões, redelineando-lhe novos contornos com nova carga vivencial”. (OSTROWER, 1978).

E acrescenta ainda,

“A memória do artista se amplia, portanto, no ato de criar, sempre estabelecendo novas interligações e configurações” (Fayga, in Criatividade e Processos de Criação.1978).

Casa antiga vira galeria de arte em Conceição da Barra:   

https://www.seculodiario.com.br/cultura/casa-antiga-vira-galeria-de-arte-em-conceicao-da-barra

Exposição “Akojopo” mistura ficção científica e cultura popular

https://www.agazeta.com.br/entretenimento/cultura/exposicao-akojopo-mistura-ficcao-cientifica-e-cultura-popular-0921

Artigo científico:

Memória e Imaginação Preta-Quilombola na Arte de Balbino

Autor: Osvaldo Martins de Oliveira, Antropólogo e professor na Universidade Federal do Espírito Santo

Com sua arte, Balbino pretende inspirar a imaginação e a consciência de outros jovens
pretos-quilombolas para o sentimento de pertencimento às comunidades reais e
imaginadas do passado, presente e futuro, onde os personagens de memória e heróis de
referência com superpoderes sejam principalmente “as figuras pretas”. Assim, o artista
propõe contribuir para construir o heroísmo desses personagens quilombolas para fazer
frente ao processo de massificação da cultura dos super-heróis norte-americanos. Para
realizar uma arte da resistência a partir desses personagens, o conhecimento adquirido
por Balbino torna-se um instrumento de combate ao racismo e à invisibilidade social de
tias personagens pretas do passado e do presente, para construir, assim, as memórias e
as comunidades pretas-quilombolas imaginadas do futuro. Comunidades que, inspiradas
nos saberes de seus ancestrais na relação com os recursos naturais, não mais viverão em
insegurança alimentar, mas construirão um mundo melhor para si e para aqueles que
acreditam que manter uma relação equilibrada com esses recursos naturais é a
alternativa inevitável para a vida de nossos descendentes no futuro.

 

O trabalho de fotocolagem é um resgate do passado, como se pudesse copiar
e colar elementos do passado que são elementos de resistência cultural e que
garante a existência de um povo. A fotocolagem consiste em recortar e colar
esses elementos que a gente agora no presente consegue fazer uma
prospecção para que no futuro a gente viva bem. É como se a gente pegasse
elementos do passado hoje, copiasse, colasse, juntasse e falasse: com a ideia
que eu tenho hoje e se no futuro for assim, vai ser maneiro! Vou pegar essas
ideias aqui do passado, juntar aqui agora, se a gente prospectar, se a gente
especular isso para o futuro, vai ser um futuro interessante, que pode trazer
uma oportunidade de produção de bem viver coletivo. Também de relação do
ser humano, natureza, tecnologia… tá ligado? É um tripé, mas que na verdade
são vários, né? É a humanidade, a criação que a humanidade cria e a
natureza, que o ser humano, querendo ou não, é fruto dela. Então seria
natureza, humanidade e tecnologia. Então tem esses três elementos aí. Eu vou
abordar isso através da linguagem da fotocolagem. Tá ligado? Então vai ter
um texto lá maneiro, falando, puxando esses diálogos, essa conversa. Antão
vamos fazer um trabalho pedagógico, com a galera das escolas lá. Querendo
ou não, isso aí é uma janela que abre, exatamente para a galera conhecer o
passado, o presente e sonhar com o futuro. Então, você vai pegar elementos
do passado para recortar e vai ver a história lá. Vai ver Benedito Meia-Légua,
a história de Constância de Angola, a história de Zacimba Gaba, que são

figuras pretas da região que são heróis! Uma galera foda! E que a juventude
de agora não conhece. Sacou? Tem muita gente lá (Conceição da Barra), que
acha que pra você ser uma figura… Vamos dizer assim, pra se imaginar com
superpoderes, né? Se imaginar atuante nessa ficção científica, você precisa
ser parecido com o Capitão América. Quando vê um Pantera Negra no
cinema, nos quadrinhos, a galera já pirou! Então, essa exposição, tem
também esse objetivo de trazer esse imaginário com figuras pretas com
superpoderes, com superpotências. Figuras pretas que trazem uma autoestima
para a galera preta que assiste, que também está vendo. Isso é o que eu estou
querendo instigar aí.
(Thiago Balbino, setembro de 2021).

 

Foto: Arquivo Pessoal

Ângela F.V.Bueno é psicanalista e ceramista. Nas décadas de1970- 80 trabalhou na Caritas Arquidiocesana de Vitória. Trabalhou também na Secretaria de Estado da Saúde- ES, contribuindo para a implantação do SUS em seu estado. É professora aposentada do departamento de Serviço Social da UFES. É mestre em Teoria e Clínica Psicanalítica pela UERJ.

 

 

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