A entrevista de Bozonazi para a revista Veja

Por Jorge Antonio Barros – no Quarentena News
O ex-presidente Jair Bolsonaro ESTÁ COM TANTO MEDO do que pode lhe acontecer que deu até sua primeira entrevista exclusiva a um impresso, a revista “Veja”, que já foi a TV Globo da mídia impressa no mundo antigo do jornalismo. Não passa nem agulha. Mas, como sempre, mentiu muito. A tal ponto que chamou de “marginais” seus apoiadores que depredaram as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro. O ex-presidente conclui que “foi uma coisa infeliz o que aconteceu, só prejudicou a direita, a mim e deu um fôlego à esquerda”.
Inimigo mortal da imprensa, a exemplo do trumpismo, Bolsonaro dá sua primeira exclusiva à imprensa, fora do poder. O detalhe é que o furo de reportagem não mereceu uma linha sequer na “Carta ao leitor”, em que a matéria mencionada é sobre o narcogarimpo. É como se o editor dissesse botasse na capa a entrevista com Bolsonaro, mas dissesse ao leitor: “Não leva isso muito a sério”.
Ao lado de Michelle, que pegou carona na entrevista assinada por Marcela Mattos, Bolsonaro respondeu com uma lacônica frase se continua achando que houve fraude nas urnas:
“Esse assunto é página virada”.
E “Veja” rapidamente virou a página e passou para outra pergunta. E ainda dispensou a frase que daria ótima chamada de capa. A revista que já foi de um império preferiu dar outro título: “É um esculacho”. Foi como Bolsonaro reagiu à pergunta se não é constrangedor para um ex-presidente prestar o terceiro depoimento à Polícia Federal em apenas dois meses. Bolsonaro diz que está sendo esculachado pelo governo Lula, a quem chama de senil, sem mencionar o nome do presidente uma única vez. “Eu esperava perseguição, mas não dessa maneira”, choraminga o ex-presidente que garantia detestar mimimi.
BOLSONARO É MESMO O REI DO NEGACIONISMO. Bolsonaro nega ter fraudado seu cartão de vacinação (“eu não precisava de vacina para entrar nos EUA”), nega que vá aparecer algo comprometedor no telefone celular de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid – que ficou em silêncio ao ser intimado a depor na PF semana passada. Bolsonaro nega ter maior amizade com o ex-major Ailton, que troca mensagens comprometedoras com Cid; e nega peremptoriamente que tenha tentado dar um golpe de estado (“como ficaria o Brasil perante o mundo?”, pergunta, se tivesse tomado o poder à força). Bolsonaro é um santo. Mas manifestar preocupação com a imagem do Brasil diante do mundo é um pouco demais. Bolsonaro levou o Brasil à condição de pária internacional.
A prova de que não passa nem agulha é que Bolsonaro recusa a isca da repórter, se a perseguição que alega estar sofrendo seria promovida pelo STF ou por algum ministro em particular. “Não quero polemizar nessa área”, afirma, disparando uma frase que não combina com ele: “Eu não quero botar lenha na fogueira”. Mas o mundo todo sabe que ele deixou seus apoiadores, garimpeiros, grileiros e invasores de terras indígenas, botarem fogo na Amazônia. As queimadas diminuíram depois que Bolsonaro deixou o Palácio do Planalto.
Apesar de não passar nem agulha, Bolsonaro alega que não há motivos para ser preso, mas insinua que pode ser vítima de alguma conspiração esquerdista para levá-lo à prisão, como se não tivesse nenhuma suspeita dos crimes que cometeu. Para ser preso, ele alega que teria que ter feito “10% do que” Evo Moralez fez na Bolívia para ser apeado do poder. “E eu fiz 0%”, acredita. Bolsonaro é o político do zero por cento. Disso nunca tive dúvida. É um zero à esquerda, embora seja de direita.
Sobre a possiblidade cada vez mais próxima de se tornar inelegível, o ex-presidente também diz que não há argumento para isso. O encontro que ele teve com embaixadores para difamar o sistema eleitoral – operação que está na mira do TSE – para Bolsonaro não passa de um debate natural sobre as eleições, “buscando transparência , nada além disso”. Bolsonaro se apegou tanto a João 8:32 (“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”) que ele não consegue se libertar das mentiras que tanto repete até virar verdade dentro da cabeça dele e de seus seguidores mais fiéis.
“Veja” obviamente não é mais aquela da época da ditadura, mas não perco uma edição, e recomendo a leitura da entrevista apenas por curiosidade. Um tanto mórbida, é verdade. A MAIOR CRÍTICA que faço à matéria foi a edição da parte da entrevista com Michelle Bolsonaro. O sujeito está lendo a entrevista com um homem e, de repente, entra uma pergunta (“qual era a relação da senhora com o Mauro Cid?”), mudando o gênero. Terá sido um ato falho? Nesse caso, a meu ver, houve um grave erro de edição. Deveria ter sido aberto um boxe com a entrevista de Michelle e um título reservado ao texto. A impressão é de que a revista fez com a ex-primeira-dama exatamente o que Bolsonaro fazia, tirando dela qualquer protagonismo.
A despeito de qualquer crítica, a assessoria de imprensa amou a edição da matéria. Tanto assim que um dos assessores divulgou a capa em seu perfil no Twitter, com resumo telegráfico das opiniões favoráveis ao chefe. #bolsonaro #negacionismo
Título original da matéria – COM EXCLUSIVA À ‘VEJA’, BOLSONARO MOSTRA QUE NÃO PASSA NEM AGULHA; MICHELLE PEGA CARONA NA ENTREVISTA, MAS NÃO GANHA TÍTULO

Jorge Antonio Barros é jornalista, editor-chefe do blog Quarentena News e consultor de marketing jurídico. É especializado em Segurança Pública. Foi assessor de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e chefe de reportagem do Jornal do Brasil e editor-adjunto de Rio do jornal O Globo. É diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e um dos fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

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