Por Simão Zygband
Foto de capa: Ricardo Stuckert
“Venho somar o meu esforço pequeno, humilde, mas de coração e entusiasmo em benefício do Brasil. A luta de vocês, a luta sindical deu ao Brasil o maior líder popular deste País. Lula! Lula! Viva Lula, viva os trabalhadores do Brasil!”. Com estas palavras o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, discursou a uma plateia de sindicalistas, numa estreia bastante diferente de tudo aquilo que ele pode vivenciar no seu antigo partido, o PSDB.
Alckmin, agora filiado ao PSB, pode sentir pela primeira vez o que é estar ao lado da maior liderança de esquerda da América Latina, e a força que possui o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É bem provável que tenha de fato se emocionado por talvez nunca ter vivido a experiência de ser ouvido por um público que não era o que esteve acostumado na sua carreira política.
O ex-governador veio reforçar a necessária formação da Frente Ampla para enfrentar o governo fascista de Jair Bolsonaro, um miliciano psicótico que ri do sofrimento do povo brasileiro, apesar de ser responsável pela maior inflação dos últimos tempos no Brasil e de ter se omitido no combate à carestia, ao desemprego e à pandemia da Covid-19. Sobre os seus ombros pesam mais de 660 mil mortes e a volta da fome ao cenário nacional.
Há de se louvar, portanto, a atitude de Lula e Alckmin, anteriormente rivais políticos, de se unirem para combater o mal maior que seria a trágica reeleição do atual ocupante da cadeira presidencial. Ambos demonstram que têm clareza da gravidade do momento político que o Brasil atravessa e de ser necessário aglutinarem forças para derrotar o fascismo.
Admiração pela tortura
“O Brasil está aqui, unido, neste momento grave, em que temos um governo que odeia a democracia, tem admiração pela tortura e faz o povo sofrer”, discursou o ex-governador de São Paulo aos cerca de 5 mil sindicalistas e militantes políticos. “É neste momento de desemprego, de estômago vazio, de inflação, de fome e de morte de 662 mil [pela Covid] que o Brasil se agiganta nesta reunião histórica com as mais importantes centrais sindicais.”
Mesmo antes das eleições de 2018 -, quando teve apenas 5% dos votos na disputa presidencial, Alckmin já demonstrava insatisfação de ter como adversário o miliciano Jair Bolsonaro. Em maio, meses antes do pleito, quando ainda era pré-candidato ao Planalto pelo PSDB, ele criticou o oponente que, segundo ele, flertava com o autoritarismo.
“Esses pré-candidatos que flertam com a intervenção militar e a ditadura não deveriam ser candidatos”, afirmou Alckmin. “Eles não acreditam no regime democrático”, disse ele, após se reunir com as bancadas do PSDB no Senado e na Câmara Federal.
Alckmin disse na oportunidade que não via “razões” para apostar no crescimento da candidatura de Bolsonaro. Infelizmente suas previsões estavam erradas. “Pelo contrário”, disse. “Esse caos que foi criado é fruto do radicalismo, e o radicalismo leva o País para o buraco. A democracia é o regime que levou o mundo inteiro a uma vida melhor”, ressaltou.
Há quem diga que Geraldo Alckmin foi um dos defensores do Padre Júlio Lancellotti no espúrio episódio em que o religioso foi vítima de extorsão praticada por um ex-detento da antiga Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem), em 2007. Segundo contou, ele teve a vida vasculhada pela polícia, pelo Ministério Público e pela igreja. “Fui perseguido impiedosamente pela imprensa, por igrejas de outras religiões, por colegas de batina, por políticos e até por aqueles que desconheciam meu trabalho. Tive que pedir até mesmo proteção policial ao governador Alckmin”. Há relatos de que o ex-governador chegou a frequentar os cultos do sacerdote.
Concordar em discordar
A história do Brasil raramente registrou a conversão de um político conservador, como é o caso de Alckmin, às fileiras democráticas, que unem todas as tendências, inclusive a esquerda. O mais comum é exatamente o contrário: políticos de esquerda que acabaram cooptados pelos encantos direitistas, em geral regados pelas benesses oferecidas.
No período da ditadura, entretanto, um senador eleito pela Arena, o partido dos militares, decidiu romper com o governo ditatorial e se aliou à Frente Democrática que se formou para combater o autoritarismo. Teotônio Vilela, um latifundiário alagoano, não concordava com os caminhos tomados pelo regime e decidiu se filiar ao partido de oposição, o MDB.
Sua ruptura foi um passo importante para ajudar a derrotar os fascistas a ponto de sua atitude ter sido cantada em verso e prosa pelo compositor Milton Nascimento que lhe compôs a música “Menestrel das Alagoas”, vivamente interpretada na voz da cantora Fafá de Belém, nos gigantescos comícios pelas Diretas Já.
Teotônio contou em entrevista concedida a uma rádio alagoana em 1979, o motivo de se desligar da Arena e ingressar nos quadros do MDB, e revelou o que sentia ao tomar aquela decisão “Se, esse instante, que considero histórico para minha vida — tenho que me desligar de tantos amigos —, nada disso impele que haja o rompimento sentimental. De maneira alguma.
No plano das ideias os homens podem pessoalmente se entender, já dizia o grande mestre Joaquim Nabuco, que a importância na política era concordar em discordar. Somente assim é que se pode praticar a democracia, que na verdade ela está imbuída de princípios”.
Que estes ensinamentos de Joaquim Nabuco sirvam de exemplo para Lula e Alckmin derrotar o fascismo.