Por José Paulo Barbosa
Meu neto, de férias, ficou comigo vários dias.
– Vô, eu não como carne!
– Porquê?
– Os porcos e as vacas não deveriam ser “matados” pelos humanos para “a gente comer carne”.
Ele tem quatro anos e vive numa cidade do interior de São Paulo e diferente de muitas crianças, ele sabe que a carne não vem do açougue ou do mercado.
Lembrei-me que minha mãe não comia frango, por ter tido um galo de estimação que parecia um cachorro e era um grande companheiro.
Como tudo parece estar conectado, em Brotas (SP), foi denunciada uma fazenda com dezenas de búfalas e seus filhotes, abandonados sem comida e água. Um crime de maus tratos e crueldade com os animais.
Nossa espécie evoluiu durante milênios como coletor e caçador, numa sociedade de escassez. Tudo o que se encontrava na natureza fazia parte da nossa alimentação e parece-me lógico que assim fosse.
Mas nossa sociedade evoluiu com o domínio da agricultura e da criação de animais.
Hoje embora a fome ainda exista e no Brasil, ela está voltando, vivemos uma sociedade de fartura de alimentos e morremos mais de obesidade do que de fome.
A indústria causa, em escala jamais imaginada pelo coletor/caçador que éramos, o sofrimento e a morte de milhões de animais na cadeia produtiva alimentícia.
Por exemplo, os bezerros ao nascerem são separados de suas mães e começam a sofrer. Esse sofrimento vai continuar até o matadouro. Ao contrário do que muitos pensam, a vaca não “dá” leite. O leite tem que ser tirado da vaca.
Há métodos de criação suína que impedem até o movimento das porcas (criadas em jaulas que as mantém deitadas), inseminadas artificialmente constantemente e retiram os dentes do porquinho para não ferir as tetas.
A propaganda da grande indústria, com imagens de porcos sorrindo e vacas pastando em lindas paisagens, escondem o sofrimento que chega na nossa mesa na forma de picanha, costelinha e carne moída.
Há movimentos de consumidores pelo mundo todo, que exigem “bem estar animal”, isso está certo e devemos apoiar.
Particularmente acho que precisamos dar um passo à frente e diminuir ou eliminar o consumo de carne.
Existem estudos independentes que indicam isso como benéfico para a saúde e o meio ambiente. Uma das maiores causas do desmatamento da Amazônia é a criação de gado. O câncer do aparelho digestivo é um dos efeitos colaterais do consumo excessivo de carne.
Nossa espécie deverá habitar a Lua e Marte nas próximas décadas.
Será que poderemos mudar nossos hábitos alimentares?
Será que a consciência do meu neto e das crianças que estão chegando, fará parte do inconsciente coletivo da humanidade?
Será que nos transformaremos em cuidadores deste belo planeta e protetores das milhões de espécies que aqui vivem?
Comer carne, será um ato socialmente indesejado, como fumar ou não usar cinto de segurança nos automóveis?
Sem querer simplificar, generalizar, omitir ou distorcer; é possível esse assunto entrar na nossa agenda?
Tudo é possível. Tudo muda o tempo todo.
A propósito, acabaram as férias do meu neto e na semana seguinte, com imensa tristeza, minha mãe, aos 87 anos, nos deixou.
José Paulo Barbosa é professor, escritor e militante de causas sociais.