Construir Resistência

A alegria é um dom ou uma conquista?

Por Beatriz Herkenhoff

Muitos amigos falam sobre a minha alegria. Alguns dizem que o mosquito da alegria me picou quando eu nasci… outros que sou alegre porque passei por poucos problemas na vida. Não sei quando a alegria começou a irradiar e predominar em mim, mas considero que a alegria é um dom, um somatório de hormônios e uma construção cotidiana.

Diria que é uma luta entre a luz e a escuridão que insiste, muitas vezes, em querer predominar e comandar. Digo isso porque a vida não é nada fácil. É feita de desafios, quedas, conflitos, perdas e tristezas. Dar a volta por cima e encontrar novos sentidos com alegria e esperança exige uma determinação.

Quem me conhece de forma mais profunda sabe que a vida não foi fácil para mim… Perdi muitas pessoas queridas que eram fundamentais e estruturantes do ponto de vista psíquico, emocional e afetivo. Isto é, faziam parte do eixo amoroso fundamental na formação da minha personalidade, do meu jeito de ser e das razões para eu ser feliz.

Por que estou partilhando tudo isso? Apenas para reforçar que a minha felicidade não é fruto de uma vida fácil e sem dor. Pelo contrário, só conhece a alegria plena quem conheceu a dor e o sofrimento no seu buraco mais profundo.

A vida sem dificuldades torna-se superficial e sem motivos para o resgate da gratidão e da valorização daquilo que é luz. Temos que passar pelo avesso para conhecer o direito. E aí que começa a luta interior entre os contrários.

Alguns perdem e ficam paralisados, sucumbem, não encontram mais sentido para sua existência. Tornam-se vítimas de sua própria história. Desenvolvem um círculo vicioso em que olham mais para as perdas do que para os ganhos.

Todos nós corremos o risco de entrar em depressão quando perdemos alguém, ou um emprego, a estabilidade financeira. E o grande desafio para enfrentar tudo isso é vivermos o luto de forma genuína, ir ao fundo do poço para encontrar novos caminhos e sentidos existenciais.

Não somos vítimas de nada. Somos humanos.  E, se continuamos a caminhar, vamos encontrando novas oportunidades que irão nos surpreender e nos levar a afirmar que tudo passa, tudo tem um sentido e para tudo existe solução. A terapia contribuiu para que eu percebesse isso. Uma ajuda profissional é necessária em momentos difíceis.

Como sou uma pessoa de fé, considero também que a alegria é um dom que colocamos a serviço do outro. Quando o eixo de nossa vida inclui aqueles que sofrem e que nada têm, a alegria brota com mais força. Todas essas experiências possibilitaram que eu desenvolvesse a resiliência. Isto é, a capacidade de resistir à pressão em situações adversas, sem entrar em surto psicológico e emocional.

Neurocientistas, ao estudarem o que acontece com o cérebro das pessoas felizes, identificam quatro hormônios que compõem o quarteto da alegria: serotonina, endorfina, dopamina e oxitocina. Explicando:

As endorfinas reduzem a dor e estimulam o centro do prazer. São produzidas quando fazemos exercícios e atividades agradáveis, como dançar, rir ou ter um hobby apaixonante.

A oxitocina (hormônio do abraço) permite a criação de vínculos de confiança e amor. A fórmula para aumentar o nível desse hormônio é abraçar, tocar, beijar, meditar com regularidade.

A serotonina é um antidepressivo natural. A exposição ao sol e uma dieta equilibrada contribuem para sua produção.

A dopamina promove o prazer, o relaxamento e a motivação. A produção desse hormônio está relacionada às 8h diárias de sono, à prática de exercício e ao hábito de comemorar pequenas e grandes conquistas.

Muitos seres humanos não produzem alguns hormônios, por isso precisam de tratamento medicamentoso para superar a depressão.
A neurocientista #SaraTeller e o escritor #FerranCases publicaram recentemente o livro: “O cérebro das pessoas felizes”.

Ferran Cases sofria de síndrome de pânico desde a adolescência e ficou anos trancado em casa. Ao completar 20 anos superou sua ansiedade com a ajuda da neurociência.  Nesse livro, conta como foi curado e os autores analisam como esses hormônios podem contribuir com a nossa felicidade e indicam quatro atitudes fundamentais:

1. Viver o presente, administrando o estresse e o medo, ao invés de gastar energia com mágoas do passado e preocupações com o futuro.

2. Praticar a resiliência, arte de se sobrepor às dificuldades.

3. Experimentar coisas novas, ter um hobby. Que funciona como antidoto para sentimentos e pensamentos negativos, pois, a rotina pode gerar cansaço, apatia e desânimo.

4. Colocar uma pitada de humor em nossa vida. Rir e distanciar de nossos dramas. Combater a rigidez mental que nos leva a querer controlar esse mundo caótico. Atitudes que geram ansiedade.

Não existe uma receita única para superar a depressão ou para construir a resiliência em tempos adversos. Mas, existe em nosso interior uma força motriz que nos impulsiona a buscar a energia de vida que nos faz recomeçar com alegria. Se estamos enfraquecidos pela falta de produção dos hormônios da alegria ou por não sabermos como lidar com momentos tão avassaladores, temos que buscar ajuda profissional, familiar e comunitária.

Como viver o presente? Como trabalhar as mágoas em relação ao passado e as preocupações em relação ao futuro? Como fortalecer a resiliência? Que atividades ajudam a romper com a rotina? Qual é o seu hobby apaixonante? Ler, escrever, assistir filmes, pintar, desenhar, trabalhar com madeira, com decoração, cantar, tocar um instrumento musical, bordar, costurar? Como ter tempo para atividades que dão prazer?

Como lidar com a vida com mais humor? O que fazer para rir mais? Como elaborar o luto pelas perdas vividas? Como estimular a produção dos hormônios da alegria (serotonina, dopamina, oxitocina e endorfina)? Como investir numa alimentação mais saudável e em tempo para o exercício? Como fortalecer a fé? O que posso fazer pelo outro? Como colocar-me a serviço? Como envolver-me em campanhas de solidariedade? Como partilhar o amor? Como ser canal de mudança no mundo em que vivemos?

Que essas perguntas nos levem a construir alternativas inusitadas, a dar um salto qualitativo em relação ao momento atual. Encontrar a cura para minhas angústias e para as dores do mundo.

Que possamos formar um círculo virtuoso (coletivo) no enfrentamento da tristeza, da depressão, do pânico e de outros sintomas desencadeados pela pandemia. Se nos fortalecemos psiquicamente, teremos melhores condições de nos engajar em movimentos que gerem mudanças estruturais essenciais.

Beatriz Herkenhoff é  doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

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