Por Simão Zygband
Bolsonaro se prestou até a ser garoto propaganda dos medicamentos inócuos, mas duas empresas, a Prevent Senior e Hapvida caíram no “canto da sereia” bolsonarista e adquiriram 5 milhões de caixas de cloroquina e ivermectina.
Escândalo de gigantescas proporções envolve o governo do atual ocupante da cadeira da presidência da República e os planos de saúde Prevent Senior e Hapvida (que domina o mercado no Nordeste do país).
Tudo pela utilização dos medicamentos inócuos, a cloroquina e a ivermectina, de ineficácia cientificamente comprovada, que seriam utilizados no chamado “tratamento precoce” no combate a pandemia da Covid-19. Isso atrasou, inclusive, a compra de vacinas.
Bolsonaro decidiu por sua própria vontade, incentivado pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, de que a cloroquina e a ivermectina seriam eficazes contra o coronavírus. O capitão reformado chegou a gastar cerca de R$ 90 milhões do dinheiro público com a compra destes medicamentos, conforme revelou reportagem da BBC News Brasil.
Bolsonaro se prestou a ser até garoto propaganda dos medicamentos inócuos, mas duas empresas, a Prevent Senior e Hapvida caíram no “canto da sereia” bolsonarista (possivelmente em negociação com o chamado gabinete paralelo) e teriam adquirido 5 milhões de caixas de cloroquina e ivermectina. Não tiveram outra alternativa senão continuar receitando indiscriminadamente os medicamentos comprovadamente ineficazes a seus pacientes.
O jornalista Carlos Ratton, do jornal Diário do Litoral da Baixada Santista e ex-diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo posta uma dura mensagem em seu facebook: “ A Prevent Sênior é acusada de usar seres humanos como ‘cobaias’. Nove ‘pacientes’ teriam morrido durante a pesquisa. Estudo foi iniciado com apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), sem aprovação da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep). Autores do estudo só mencionaram duas mortes. A Prevent Senior é investigada desde março pelo Ministério Público de São Paulo para apurar a distribuição de receitas de “kits Covid”. Claramente um escândalo de gigantescas proporções.
Reportagem da jornalista Marcelle Souza, do portal Repórter Brasil aprofundou as investigações e chegou a conclusão de que o levantamento inédito realizado pela reportagem revelou “detalhes da prescrição em massa do ‘kit-covid’ por planos de saúde” e que as “denúncias de profissionais que se recusaram a receitar os remédios vêm sendo arquivadas”.
“Os dados deixam claro que a prescrição seguiu ocorrendo mesmo após fabricantes de cloroquina terem divulgado notas não recomendando o medicamento para covid e seis meses depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a ineficácia da hidroxicloroquina. Relatos de pacientes mostram que medicamentos do chamado kit-covid seguem sendo receitados”, revela Marcelle.
“Por trás dessa distribuição do chamado kit-covid pelas duas operadoras, havia uma pressão por parte da chefia de ambas para que seus médicos prescrevessem esses remédios e até um “pacto de silêncio” que orientava a equipe da Prevent a não informar ao paciente nem aos familiares quando se usava hidroxicloroquina. Há ainda denúncias de médicos que relatam punições por se negarem a receitar o kit sendo engavetadas, inação de conselhos da categoria e lentidão dos órgãos públicos responsáveis”, conta a jornalista.
“Empurroterapia” de cloroquina
Segundo a reportagem, no caso da Hapvida, foram compradas 3,6 milhões de caixas dos remédios que compõem o kit entre março de 2020 e maio de 2021, sendo 2,3 milhões de caixas de cloroquina e hidroxicloroquina e 1,3 milhão de caixas de ivermectina. Os dados constam em um documento interno enviado pela operadora à CPI da Covid.
Já Prevent Senior teria comprado o kit apenas em 2020, segundo dados obtidos com exclusividade pela reportagem. No entanto, a operadora segue até hoje receitando o kit-covid, conforme pacientes informaram à reportagem sob condição de anonimato.
No total, apenas entre março e junho de 2020, foram compradas ao menos 1,5 milhão de caixas dos remédios do kit, o que equivale a quase três vezes o número de clientes da empresa. Em março do ano passado, foram compradas 240 mil caixas de cloroquina e hidroxicloroquina; em abril, mais 469 mil e em maio e junho, foram pelo menos 400 mil por mês.
Na Prevent Senior, os kits eram distribuídos nas farmácias dos hospitais das operadoras, no caso das consultas presenciais, ou enviados para a casa dos pacientes, quando o atendimento era feito por telemedicina.
A Repórter Brasil apurou que as duas empresas continuaram pressionando médicos para a distribuição em massa dos kits; e os medicamentos seguem sendo receitados. Além dos depoimentos de pacientes que relataram à reportagem terem recebido receitas de ivermectina na Prevent Senior nas últimas semanas, há diversos registros recentes no site Reclame Aqui.
No último dia 13, uma cliente declara que, mesmo sem sintomas, a mãe recebeu a prescrição do kit, após testar positivo para Covid-19. “Uma médica da Prevent ligou oferecendo o kit-covid com cloroquina e hidroxicloroquina. Minha mãe, que não estava bem com o falecimento do meu pai [por Covid-19], descontou tudo na médica, que revelou que eles são obrigados pela empresa a ofertar o kit”, disse.
Depois das denúncias, Hapvida e Prevent Senior foram incluídas nas investigações da CPI da Covid. O senador Humberto Costa (PT) apresentou uma denúncia contra a Prevent Senior pelas ameaças aos médicos e por submeterem os pacientes a pesquisas sem autorização. “A informação que se tem é que isso foi um acerto entre a direção do hospital e o governo federal. E o chamado gabinete paralelo estaria por trás dessa. Ele era o elo entre o Prevent Senior e o governo federal”, disse o senador em sessão na CPI.
‘Pacto de silêncio’
Além da distribuição em massa do kit, há outras denúncias envolvendo os dois planos de saúde, como uma espécie de “pacto de silêncio” entre médicos e pacientes idosos da Prevent Senior, para que familiares ou os próprios pacientes não soubessem do tratamento com tais remédios, revela a reportagem da Repórter Brasil.
“O aposentado Ricardo Gaspar Alves, de 76 anos, procurou a unidade Morumbi do Hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo, após testar positivo para covid. Saiu da consulta no hospital, realizada em março, com receitas de hidroxicloroquina e de ivermectina. A esposa, também com covid, saiu com a mesma indicação.
Quando a filha do casal, Isabel Cristina Alves, fez uma reclamação formal, o convênio negou ter orientado os médicos a receitar o kit. Mas, dias depois, o pai foi repreendido pela equipe do hospital por ele ter contado a história para a própria filha. “Ele me disse: a médica agora está chateada comigo, disse que não era pra eu ter te mostrado a receita”, afirmou Isabel.
Mensagens de grupos de WhatsApp de médicos da Prevent indicam que havia, por parte da chefia, essa “orientação”: em uma mensagem enviada em março de 2020, à qual a Repórter Brasil teve acesso, constava um pedido de “não informar o paciente ou familiar sobre a medicação [hidroxicloroquina] nem sobre o programa”. O pai de Isabel foi atendido um ano depois, indicando que o procedimento seguiu vigente.
A Prevent Senior afirma que os pacientes assinam um termo de consentimento sobre os riscos da hidroxicloroquina. Os médicos, no entanto, dizem que a declaração é preenchida digitalmente e nem todos os idosos têm tempo ou condições de entender o que está escrito.
“Muitas vezes o paciente nem lia o termo, porque não sabia como mexer no celular. A gente falava que ia ajudar, que era só apertar o botão de aceite”, disse um profissional em condição de anonimato.