Por Helvidio Mattos
Quem entra pela primeira vez na ocupação que existe há 9 anos debaixo do viaduto que desemboca no início da Radial Leste, logo se depara com uma grande faixa de cor preta ilustrada com letras brancas a lançar o grito que define o lugar onde vivem de forma permanente ou transitória 450 pessoas: PAZ ENTRE NÓS, GUERRA AO SISTEMA.
Em outra faixa, também de cor preta e letras brancas, o visitante irá ler e saber que ali as malocas resistem por moradia, dignidade e autonomia.
Judie, maloqueira, ativista e socióloga, diz que a ocupação da Alcântara Machado é referência de autogestão na cidade de São Paulo.
Para o padre Júlio Lancelotti “a ocupa é uma possibilidade de demonstrar que as pessoas que estão em situação de rua são capazes de se organizar, de organizar o próprio espaço, de organizar a própria vida e de buscar respostas autônomas, repostas que favoreçam a liberdade de se relacionar com a cidade, com os poderes que a cidade tem e com a capacidade de resistir. Então, é uma esperança resistente e uma resistência esperançosa”.
A esperança e a resistência se materializam na Alcântara Machado em forma de solidariedade. Paulo Escobar, também maloqueiro, ativista e sociólogo, explica que a ocupa é o único espaço latino-americano não institucional em que moradores de rua prestam assistência a outros moradores de rua que vão até lá para almoçar, tomar banho ou passar a noite em uma cama. A ideia agora é a de estabelecer com a prefeitura um contrato em regime de comodato cujo efeito, entre outros, é a suspensão da reintegração de posse que desde 2015 ameaça pais, mães, filhos e muitos homens e mulheres solteiros que lá vivem.
Por duas vezes nestes 9 anos a Alcântara Machado sofreu com incêndios. O mais recente deles, em 2019, destruiu os barracos do espaço que abrigava casais e seus filhos. Até hoje, a prefeitura não liberou o lugar. Em 13/14 de maio de 1914 a tropa de choque da PM paulista meteu fogo na ocupação num dos confrontos mais violentos da história da Alcântara, que durou das oito da manhã às dez da noite. Ao todo foram cinco operações feitas pela PM para tentar arrancar a população debaixo do viaduto.
Em 2016, Escobar e outros companheiros da ocupa inventaram de criar um time de futebol. Para quem se acostumou a lutar pelo direito à moradia e ao direito de ter uma vida mais digna não foi difícil escolher o nome e as cores do time formado por moradores da ocupação, e também da Praça da Sé e do Páteo do Colégio. O uniforme, até hoje, é calção preto e camisa de listras verticais em vermelho e preto. Para o nome escolheram dar preferência à bebida alcoólica que se toma para espantar o frio e ao artefato caseiro que os resistentes do mundo inteiro usam contra as chamadas forças de segurança. E assim nasceu o Corote Molotov, que atua nos campos da várzea paulistana.
Hoje, a ocupação Alcântara Machado conta com cozinha comunitária, chuveiros com água quente, biblioteca, espaço cultural (apresentação de bandas e peças de teatro), área de pernoite, área de dormitórios fixos, aulas de alfabetização e em breve uma sala de informática.
Márcio, corintiano fanático e jogador do Corote, vive na ocupa desde o começo dela. Sua experiência de vida lhe permite falar de como a Alcântara mudou a vida dele:
“Quando eu vim pra cá eu aprendi a conviver com bastante pessoas, antes era só eu e minha mulher. Então, aprendi a conviver com as pessoas, e foi uma adaptação bem incrível porque eu gostava de ser ignorante com as pessoas e aqui eu aprendi a ter modos com as pessoas. Nesses 9 anos eu estou aqui aprendendo, e conviver com as pessoas da rua é dá hora, é legal.
Helvidio Mattos é jornalista nascido em São Paulo, capital. Cobriu 7 Copas do Mundo, 5 Copas Africanas e 6 Jogos Olímpicos, além de centenas de jogos do Interior. Diz que era e ainda é REPÓRTER.