Por Milly Lacombe – Colunista do UOL
Felipe da Silva Lima tinha 27 anos e três filhos. Dois meninos pequenos e uma menina de dois anos.
Desde que o pai não voltou mais para a casa, há uma semana, a menina chora todos os dias.
Felipe deixa uma mãe, que está, como qualquer mãe que perdesse um filho, dilacerada, e um pai, que está revoltado.
Felipe tinha um irmão, Anderson, que foi quem reconheceu o corpo no hospital (a cena do crime foi desfeita), deu a notícia aos pais e diz que foi a coisa mais triste e difícil que ele já teve que fazer na vida.
Felipe foi assassinado com um tiro de fuzil no peito, na favela de Paraisópolis, durante visita da campanha de Tarcísio, candidato ao governo de São Paulo.
Quatro testemunhas disseram ao The Intercept que uma pessoa da comitiva de Tarcísio atirou no rapaz que estava passando em sua moto —e desarmado segundo a própria polícia.
O pai de Felipe disse em entrevista gravada e dada ao repórter Joaquim de Carvalho da TV 247 que o candidato matou seu filho para ganhar a eleição.
O pai explica a declaração dizendo ao jornalista que o candidato Tarcísio já sabia que ia acontecer um atentado a ele antes mesmo de acontecer e, por isso, diz estar inclinado a acreditar que seu filho foi morto para ser o estopim de uma confusão que beneficiaria eleitoralmente o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo.
“Foi armação dele para ganhar a eleição”, disse Fernando, o pai de Felipe.
A especulação tem respaldo nos fatos subsequentes ao assassinato.
Aos fatos.
Minutos depois dos disparos e da morte de Felipe, a Jovem Pan já cravava que Tarcísio tinha sofrido um atentado e bolsonaristas subiam hashtags nas redes, com alto engajamento.
Dois dias antes, informa a Revista Forum, bolsonaristas já estavam nas redes falando sobre um atentado que Tarcísio sofreria.
Eles usavam, inclusive, um vídeo no qual o General Heleno dizia que Tarcísio sofreria um atentado. O vídeo era de 2018, mas a data não constava da divulgação em massa.
O cinegrafista da Jovem Pan que acompanhava a comitiva de Tarcísio na visita a Paraisópolis contou a Monica Bergamo, da Folha, que ele foi obrigado a apagar as imagens que fez dos tiros sendo disparados e atingindo Felipe.
Tarcísio reconheceu que sua equipe mandou apagar as imagens. Tarcísio reconheceu que está envolvido em eliminação de provas.
A cena do crime foi alterada.
O delegado disse ao pai de Felipe, conta Joaquim de Carvalho, que tudo parece armação e que Felipe é a vítima.
O cinegrafista foi pressionado a gravar um vídeo a favor de Tarcísio.
O cinegrafista pediu demissão e disse estar com medo. Sua mulher está no oitavo mês de gravidez.
Tarcísio disse de imediato que havia sofrido um atentado, a Jovem Pan seguiu nessa linha durante todo o dia.
Depois, em plena campanha, Tarcísio sumiu por dois dias e quando reapareceu veio dizendo que não havia sido atentado coisa nenhuma e que nunca disse que foi.
Esses são os fatos.
“Tô me sentindo um fracassado. Perdi meu filho”, disse Fernando a Joaquim de Carvalho por telefone.
O candidato Tarcísio se diz a favor da família, fala em proteger as crianças brasileiras, prega ser a favor da vida.
É preciso que entendamos do que ele está falando. Tarcísio não mente sobre isso. Ele diz a verdade.
Ele é a favor de algumas vidas. Da vida das pessoas que se parecem com ele.
E ele é a favor da família, da família como a dele: branca, papai manda, mamãe obedece, filhos andam na linha como se fosse um quartel.
E ele, assim como Bolsonaro é a favor das crianças: das crianças deles.
Quanto às famílias periféricas, que se danem. Essas são vidas descartáveis. Matáveis. Desprezíveis.
Tarcísio é corpo e alma da necropolítica. Elegê-lo é colocar ainda mais alvos em cada corpo periférico e é também a certeza de que muitas e muitas mães acabarão tendo que enterrar seus filhos.