Por Charles Argelazi
No dia 10 de maio de 1933 o governo de Hitler queimou em praça pública, em várias cidades da Alemanha, obras de escritores alemães indesejados ao regime. Hitler e os seus tinha o objetivo de fazer uma “limpeza” da literatura.
Agora, sob a falsa afirmação de que se pretende modernizar a educação, supostos educadores, colhidos a dedo entre aqueles que não esboçam qualquer humanismo, onde vige certeira a chama do protofascismo, vem impedir que as crianças e adolescentes de terem acesso aos livros.
Não, não vão agregar novas tecnologias ao universo dos livros, o que seria justo e correto. Vão substituir os livros. E, para isto, irão queimar os livros entre bits & bites. O próximo passo será destruir as poucas bibliotecas que nos restam nas escolas? Provavelmente.
Assim, se Paulo Guedes achava aviltante as empregadas domésticas terem condições de ir à Disney, parece que a secretaria de educação paulista vem se movimentando para evitar que os pobres cidadãos deste estado avancem para as universidades. Pobres nas universidades? Um ultraje!!!
As principais escolas privadas de São Paulo, com as notas mais altas no Enem, jamais abandonaram os livros, muitas apenas acresceram elementos das novas tecnologias. Algumas usam, inclusive, alguns livros publicados pelo governo brasileiro dentro do PNLD. Sim, estes mesmos livros que o governo paulista está queimando por julgar ultrapassados.
As escolas frequentadas pela elite paulistana, como Colégio Bandeirantes, Colégio Santa Cruz, Vértice, Módulo, entre outras, nem pensaram em queimar livros. Pelo contrário, tem programas de estímulo a leitura.
A melhor educação brasileira tem sede no Estado do Ceará, de onde vem nosso atual Ministro da Educação e seus assessores e assessoras. Alunos de Fortaleza foram responsáveis por ascenderem a 61 vagas dentre um total de 150 no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA no ano de 2022. E não fizeram isto queimando livros. Pelo contrário.
Com a arrogância de quem teve boa formação, regada a bons livros, mas nunca conviveu de perto com a pobreza brasileira, governador e secretário da educação paulistas, articulam para negar o direito aos pobres do acesso ao conhecimento humanístico, negar a leitura, inibir o pensamento crítico. Mais, quer ofuscar o desejo e o amor pela leitura, este mal revolucionário que pode viabilizar a tão nefasta mobilidade social.
Impedir o gosto pelos livros é um objetivo a ser conquistado. Vai que estas crianças tomem gosto pela leitura, desenvolvam o hábito de escrever com qualidade e, com isto, desenvolva melhor seu senso crítico, reconhecendo neste governo paulista seus traços do mal civilizatório que vem assolando o planeta?
O objetivo é formar mão de obra técnica e barata, e para isto não se pode tolerar que estes pobres acessem as universidades. Criará vácuos nos empregos de base, aumentando o custo dos salários.
Vão digitalizar Mario de Andrade, Oswald, Machado de Assis? Sem livros não haverá prova de redação que se sustente, sem redação não haverá pobres com bacharelado, muito menos doutores. Estará garantida a mão de obra barata e acrítica, formada pelo contingente crescente de um lumpen educacional bem controlado.
Este é o objetivo do protofascismo paulista ancorado o ideário do mal iliberal, e que vem desafiando o Brasil de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Dermeval Saviani, entre outros.
Vão na contramão do que os mais bem sucedidos mestres, considerado reis da tecnologia, tem proposto. Gente como Bill Gates, Mark Zuckenberg, entre outros. E aqui não há argumento que se sustente:
“As escolas que atendem aos filhos desses grandes executivos do Vale do Silício (Apple, Google, Facebook, Microsoft, etc) não adotam a tecnologia como fonte de aprendizado. Uma das escolas pesquisadas, a Waldolf of Peninsula do Vale do Silício, somente insere as telas digitais (tables, celulares, etc) no ensino médio, priorizando os meios tradicionais, como quadro, livro, lápis, caderno, etc.”
“E essa limitação ao uso da tecnologia não fica apenas nas escolas que atendem aos “filhos dos executivos tecnológicos”. Na própria casa desses executivos, a regra é de limitação à tecnologia.”
“Não temos telefones na mesa quando estamos comendo e só lhes demos celulares quando completaram 14 anos” disse Bill Gates, criador da Microsoft.
Eis o Brasil que precisamos cuidar, agregar novas tecnologias, somar o conhecimento é sempre bem-vindo, mas queimar livros, ainda que com bits & bites, é um ato desprezível e desumano, só levado a cabo por quem nada entende de educação como fator de crescimento humano e do governo como promotor de uma sociedade mais justa e feliz.
Charles Argelazi é advogado e Cientista Social