Construir Resistência

15 de junho de 2022

Como fazer jornalismo no faroeste caboclo

Perder Dom Phillips, amigo da floresta e dos povos originários, é uma tragédia. Assim como é devastador saber o que se passou com Bruno Pereira, o homem decente perseguido pelo gabinete de Sergio Moro. É terrível também ouvir as falas cruéis e debochadas do vivendeiro alçado à presidência da República. Em um tosco jogo de palavras, o homem que fez passar a boiada procura criminalizar as vítimas e absolver seus verdugos. É certo que esse terror não foi inventado pelo miliciano, mas tem sido restaurado e fortalecido por ele e sua legião de botinudos viagreiros, hoje menos interessados na proteção das fronteiras do que em meter o bedelho no processo eleitoral. Esses rincões sempre compuseram o território do nosso faroeste caboclo, dominados por coronéis latifundiários, contrabandistas, traficantes, pescadores ilegais, madeireiros, garimpeiros e ladrões de crianças. É o lugar da jagunçada, que assume o papel de polícia particular. Ali, o poder judiciário é exercido informalmente por aqueles mais bem armados. Não é à toa que vários grupos indígenas preferem o isolamento. Diante das desgraças trazidas pelos piores homens brancos, procuram refúgio nas sombras da hileia. Gostaria de lembrar um episódio de minha própria história, vivenciado há 32 anos. A ideia é mostrar que a passagem do tempo pouco nos civilizou nas franjas fundas do país. Fazia um ano e meio que Chico Mendes tinha sido assassinado e a região de Xapuri, no Acre, ainda pegava fogo. Então, decidi passar minhas férias de 1990 justamente ali. Ao cabo de uma longa conversa com o amigo Dom Moacir Grecchi, bispo de Rio Branco, criei uma estratégia para entrevistar Osmarino Rodrigues, à época apontado como sucessor de Chico. Passei um dia com os padres amigos de Xapuri e conheci velhos seringueiros que contavam histórias ancestrais da ocupação daquela ponta oeste do Brasil. No dia seguinte, parti para Brasileia (234 quilômetros da capital) para encontrar Osmarino, também jurado de morte. Bastou pisar na cidade e desabou uma tempestade amazônica. Depois, amainou, mas resistiu enquanto chuvinha teimosa. Meu casaco meio impermeável logo se encharcou. Vaguei pela cidade, mas as orientações me faziam andar em círculos. Em dado momento, depois de uma longa caminhada, disparei a pergunta para um transeunte: mas que lugar é aqui? – Aqui é Cobija, señor, Bolivia! Voltei pelo mesmo caminho, atravessei a fronteira e encontrei um menino descalço jogando bola na lama. Perguntei por Osmarino e ele me puxou pela mão, sem dizer nada. Depois, correu na frente e foi apontando. Passei uma barreira natural de árvores baixas e, sobre um capinzal baixo, vi a casa de madeira que abrigaria o líder seringueiro. Bati na porta, mas não obtive resposta. Tentei de novo e uma frestinha se abriu, mostrando um olho arregalado e uma ponta de barba. – Quer falar com quem? – Com o Osmarino… Foi o bispo Moacir que me mandou… – Ah, mas ele não se encontra… – E você, amigo, quem é? – Sou o Paulo… O sujeito foi abrindo a porta aos poucos e me vasculhando investigativo com o olhar. – E você quer o que por aqui? É polícia, jornalista, padre? Parece padre, mas pode ser polícia. – Sou jornalista, mas estou aqui mais para conhecer, pela causa. Eu trabalhava nas obras do Dom Luciano, bispo de São Paulo que é amigo do Dom Moacir, lá de Rio Branco. Foi quando o semblante de meu interlocutor descansou. Ficamos olhando um para o outro por um tempo, na casinha penumbrenta sem luz elétrica. Então, magicamente, eu tive minha experiência de Sir Henry Morton Stanley, aquele jornalista galês que, em 1871, na atual Tanzânia, encontrou o então desaparecido missionário anti-escravagista, cientista e explorador David Livingstone. Na ocasião, Stanley disparou a famosa frase: “Doctor Livingstone, I presume”, dedução que foi premiada com o assentimento do interlocutor. Fui menos britânico na fala, mas repeti o gesto: – Osmarino, o novo líder dos seringueiros, não é? – Ah, como eu sou ruim de disfarce – bufou, antes de rir, enquanto tamborilava a mesa rústica com os dedos ossudos. Ele se preparava para visitar um promotor público na capital. Não ocupava a sede do sindicato local porque jagunços perambulavam pela cidade desde o dia anterior. Em todo caso, precisou visitar a casa ampla para pegar os documentos que ali havia esquecido. Fomos por um caminho acidentado, por trás de taperas, pisando em poças d’água. Quando lá chegamos, um sujeito enorme empurrou minha cabeça para o chão. – Hoje, aqui, só anda debaixo da linha janela, meu amigo. Por segurança. Segui Osmarino de quatro, engatinhando aos olhos de uma cabocla que ria muito da situação. Osmarino seguiria a Xapuri. De lá, até Rio Branco, viajaria no Jipe dos padres. Naquele momento, no entanto, chegou a notícia que você pode conferir na imagem acima (trabalho noticioso que eu ajudaria meu amigo Altino Machado a produzir). Os bandoleiros haviam promovido um atentado, disparando vários tiros contra o veículo pilotado pelo clérigo Isaías Maria. O religioso foi parar no fundo de um barranco, a uma distância de 12 metros (quatro andares) da estrada. Milagrosamente, sobreviveu, amparado talvez por alguma força divina. Segui de ônibus com Osmarino até o ponto em que a rodovia cortava a estradinha para Xapuri. Decidi que mais importante era investigar o atentado e, se possível, ajudar os padres. Despedimo-nos com um abraço e fui até um bar amplo que, de alguma forma, servia de estação de ônibus. Demoraria a encontrar condução que me levasse à cidade. Gastei o tempo conversando com o dono do estabelecimento, um galego de olhar desconfiado que procurava me impressionar com piadas sobre gays e mulheres. Não sei fingir direito e economizei os sorrisos. Ele afundou na construção ampla. Desconfiei e comecei a palmilhar o quintal da casa, metendo-me onde não devia. De repente, por uma janela despencada, entrevi e ouvi o sujeito, que falava pelo rádio. – É, então, doutor, tem um jornalista aqui, fazendo perguntas… Parece jornalista, mas acho que está com essa turma aí. Bom fazer alguma coisa, sabe como é… Não vou mentir.

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O que Bolsonaro tem a ver com a barbárie na Amazônia

Polícia Federal acha fragmentos de corpos de jornalista britânico e de indigenista brasileiro Compartilhado do Quarentena News Por Jorge Antonio Barros A Polícia Federal localizou fragmentos dos corpos do jornalista britânico Dom Philips, colaborador do jornal “The Guardian” e do indigenista Bruno Araújo Pereira, na localidade onde foram vistos pela última vez, na região do Vale do Javari, no Amazonas. A informação foi dada pela TV Bandeirantes. Um dos suspeitos preso na terça-feira. Oseney da Costa de Oliveira, confessou o crime. Philips e Pereira foram mortos a tiros. Eles tiveram os corpos esquartejados e incinerados. Outro acusado é o irmão de Oseney, Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, que havia sido preso antes, mas negara o crime. Os assassinos estariam envolvidos com a pesca ilegal na região amazônica, que era alvo de investigações de Philips e Pereira. O indigenista já havia recebido ameaças dos mesmos grupos aos quais pertencem os homens acusados de matá-los. Philips e Pereira faziam o que o governo federal não faz porque não quer: fiscalizar as atividades predatórias dos povos da floresta, na Amazônia brasileira. Ambos desapareceram no dia 5 de junho, em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. O caso já está repercutindo em toda imprensa estrangeira e nas redes sociais e certamente é motivo de VERGONHA para o Brasil, mas sobretudo para o governo brasileiro. Todas as pontas dessa barbárie se conectam com o abandono a que foi relegada a região amazônica no governo Bolsonaro. Para completar a responsabilidade do presidente nesse episódio, a morte de um jornalista estrangeiro dá um recado claro para todos os jornalistas que atuam na região. A decisão de assassinar um jornalista passa pela forma como o governo Bolsonaro lida com a imprensa, atacando-a e tentando subjugá-la por apresentar a narrativa de que os jornalistas perseguem seu governo. Os jornalistas sérios fazem apenas seu trabalho, visando o bem comum. A tragédia com o jornalista acontece 20 anos depois que o repórter Tim Lopes, da TV Globo, também foi alvo de violência por quadrilha no Rio. Ele foi julgado, condenado, torturado e teve o corpo incinerado num “micro-ondas” do tráfico de drogas, na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. A Superintendência da Polícia Federal no Amazonas deu coletiva a partir das 19h30m desta quarta-feira para informar que foi concluído o caso envolvendo as execuções do jornalista e do indigenista. Ainda não tivemos acesso à informação oficial da Polícia Federal, mas é possível concluir que nenhuma investigação sobre as mortes de Dom Philips e Bruno Pereira estará concluída se as autoridades não chegarem aos chefes das máfias que atuam hoje na região Amazônica. Ontem, o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva – que foi afastado da Superintendência da PF no Amazonas depois que fez uma das maiores apreensões de madeira, com o envolvimento do então ministro do Meio Ambiente, Salles – afirmou que há parlamentares envolvidos com a Máfia Amazônica. Deu nome por nome. E anunciou hoje que está sendo processado pela deputada federal Carla Zambelli, bolsonarista e uma das acusadas por Saraiva. Em apenas duas décadas, tomar conhecimento de que mais um jornalista foi barbaramente assassinado no Brasil, dessa vez um estrangeiro, é algo que dói muito, sobretudo para nós jornalistas, que amamos o jornalismo investigativo e acreditamos na força transformadora do jornalismo. Quando um jornalista é morto acende o alerta vermelho de que toda uma sociedade pode estar em perigo. Quando dois ativistas ambientais são assassinados o alerta se redobra. A sociedade deve refletir sobre a forma de dar uma resposta a quem interessa calar aqueles que denunciam toda sorte de violência, no país. ACOMPANHE A CRONOLOGIA DO CASO NO THE GUARDIAN, JORNAL BRITÂNICO https://www.theguardian.com/world/dom-phillips-and-bruno-pereira   Jorge Antonio Barros é jornalista e editor-chefe do Quarentena News

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Barbárie à moda bolsonarista: jornalista inglês e indigenista foram esquartejados e incinerados

⊇Por Simão Zygband   A barbárie ronda todos os cantos do território brasileiro, inclusive a Amazônia, bem aos moldes do atual ocupante da cadeira presidencial. Informações divulgadas pela TV Bandeirantes na tarde desta quarta-feira (15) aponta que Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, teria confessado que matou, juntamente com o irmão, Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira. Osoney da Costa disse que ele e Amarildo dos Santos mataram Dom Philips e Bruno Pereira no dia 5 após serem flagrados pescando ilegalmente. Segundo a emissora, Dos Santos teria confirmado a autoria do assassinato e dito que os corpos de Bruno e Dom foram esquartejados, incinerados e jogados em vala. Este é o Brasil que floresce desde que a extrema direita tomou de assalto o comando do país. Uma terra de ninguém, onde a vida humana não possui nenhum valor e, o que é pior, não conta com nenhum apoio governamental, instalado que está o salve-se quem puder e o caos nas cidades e no campo, com total insegurança por onde quer que se ande. Antes da trágica notícia, o homem que se diz mandatário da nação responsabilizou as vítimas pelas suas mortes: “Esse inglês, ele era mal visto na região. Porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, a questão ambiental… Então, aquela região lá, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele. Ele tinha que ter mais do que redobrado a atenção para consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão”, rosnou o mandatário, como se fosse ele não o presidente da República, mas o chefe de uma máfia miliciana, bem ao estilo do narcotraficante Pablo Escobar. Óbvio que Bolsonaro já sabia o que havia acontecido com eles, apenas procurou ocultar o bárbaro crime para que ele não viesse a público durante a Cúpula das Nações em que o ocupante da cadeira presidencial participou nos EUA, tendo inclusive um breve encontro com o presidente norte-americano Joe Biden.   Pressão internacional Pela manhã, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou estar “extremamente preocupado” com o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia. Essa foi a primeira vez que o líder britânico se pronunciou sobre o caso. Phillips desapareceu no dia 5 de junho quando se deslocava junto com o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira na região do Vale do Javari, no Amazonas. “Como todos nesta Câmara [dos Comuns, em Londres], estamos extremamente preocupados com o que pode ter acontecido com ele. O Ministério do Exterior trabalha atualmente em estreita colaboração com as autoridades brasileiras”, afirmou Johnson aos parlamentares. “O que dissemos aos brasileiros é que estamos prontos para fornecer todo o apoio que eles possam precisar”, complementou. Johnson foi cobrado pela ex-primeira-ministra, Theresa May, que, segundo informações do jornal The Guardian, para o qual Dom Phillips atuava como corresponde no Brasil, sugeriu que o líder britânico faça do caso uma “prioridade diplomática”. May abordou o assunto em meio a uma série de perguntas ao primeiro-ministro. E citou ter se correspondido com a sobrinha de Phillips, Dominique Davis. Johnson respondeu dizendo que o Reino Unido ofereceu apoio nas buscas não somente ao jornalista britânico, como também ao indigenista brasileiro e parceiro de viagem de Phillips, Bruno Pereira. A ex-primeira-ministra e atual parlamentar britânica pediu ainda que o governo do país “faça tudo o que puder para ter certeza de que as autoridades brasileiras coloquem os recursos necessários para descobrir a verdade sobre o que aconteceu com Dom e Bruno”.  

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… Lindos olhos azuis!

EDUCAÇÃO Por Alexandre J. Chan-Vianna Eu gostaria de conversar sobre elogios. Por simpatia ou bondade, estamos sempre dispostos a elogiar com uma palavra que desperte bons sentimentos no outro ou que expresse nossa emoção diante de uma dádiva. Quanto mais se tratar de crianças, mais afloram esses sentimentos em consonância com a ingenuidade e pureza infantil e mais espontâneos nos permitimos expressar. Guardadas as emoções, convido a refletirmos os efeitos do elogio nas interações sociais do cotidiano. Os códigos de convivência com os quais fomos socializados – nem sempre conscientes – orientam a mensagem que queremos passar, seja de aproximação ou repulsa em relação ao outro. O ritual de interação face-a-face implica gestos de cumprimentos, palavras de introdução, feição do rosto – alegre ou ríspida – do primeiro olhar e em diante, tom de voz, posição das mãos, braços e ombros, forma de apresentar o tema em pauta e tudo o mais que envolve essa cena vulgar. Dentre outros tipos, o “elogio sincero” funciona para o ator social como uma amálgama poderosa dessa encenação. De modo mais ou menos racional, encontramos algo passível de bom feedback para atuar com textos e gestos agradáveis de estima e valorização do outro, de quem esperamos recíproca. Quanto maior for a plateia que assiste essa tática melhor desempenho encontrará entre os atores que a encenam. No entanto, aquilo que nos é naturalizado como um ato de cordialidade e sentimentos sinceros, de bem querer, pode nutrir efeitos adversos ao propósito original. Assim, apresento a partir daqui exemplos que podem ilustrar o fato para que possamos refletir sobre as consequências pedagógicas do elogio. Por mais de uma vez presenciei profissionais da escola elogiarem meu filho em razão da cor azul de seus olhos. Já seria suficiente, considerando o ambiente escolar, que a óbvia estética colonizada de beleza fosse tema de reflexividade e cuidado desses profissionais, mas o fato é ainda mais intrincado em consequências. Tive a oportunidade, confesso perplexo, de que ele recebeu parecidos elogios em terras onde quase todos os olhos eram igualmente azuis, inclusive de quem o elogiou. No meu inevitável questionamento recebi a resposta de que não se tratava apenas da cor, mas do tamanho, da expressividade e de uma “forma profunda com um sorriso no olhar”. Os elogios daqui, diferentemente dos de lá, se reduzem tão somente à cor de sua íris. Não há dúvidas que meu filho recebeu uma dádiva. Um excelente cartão de visitas que lhe abrirá portas. No entanto, ele passa a conviver com uma espécie de empecilho embaçador da possibilidade de receber outros elogios – e críticas – de outras tantas características que possui, sejam elas da própria aparência ou de atitudes. Como em outro exemplo, quando numa aula de natação se esforçava para cumprir desafio de atravessar a piscina. Foram dias de luta vendo os demais conseguirem, recebendo glórias do professor e ele não. Até chegar o dia que de tanto se esforçar e uma inventiva técnica de submergir nas últimas braçadas alcançou o feito. Ao chegar no professor, exausto, mas com a cabeça para fora da água aguardando o mais alto prêmio para uma criança que responde uma expectativa, escuta: “oh, não quer trocar esses olhos comigo não?”. O elogio – frequente, repetido, rotineiro, único – da cor dos olhos o resume a uma estética marcada com determinados valores e comportamentos distintos em nossa sociedade. Os outros atributos que gostaria de apresentar em suas cenas cotidianas, estarão refém da imposição dessa salvaguarda, impedindo aprofundamento de trocas interpessoais por outras lentes de percepção sobre ele. Sempre haverá os suficientes, lindos e prestigiados olhos azuis que o posicionará, por vezes contra sua vontade. E no limite do jogo ritual dos elogios, num dado cenário com outras crianças, as palavras poderão vir a ser para cada um, inclusive para ele, de amorosa aceitação servil ou violenta rejeição. Dado que vimos que existem consequências ambíguas para quem recebe, passemos então a observar os efeitos para a plateia da cena dos lindos olhos azuis. Consideremos que marcadores do corpo são elementos centrais da identidade, ou seja, são como nos apresentamos e nos distinguimos dos outros. Relembremos ainda que estamos tratando de crianças em idade escolar e na escola, ou seja, em plena construção de suas identidades e mediadas por profissionais da educação. Identidade pressupõe o outro relacional. Significa que nos reconhecemos brasileiro pela presença do estrangeiro, mulher pelo homem, negro pelo branco, popular pelo rico e por aí vai. Com isso, atribuir identidade é causa e consequência também, primordialmente, de hierarquizar pessoas, ideias, emoções e estéticas. A coloração diversa dos olhos, como os demais marcadores do corpo, então, acompanha em nós uma percepção de distinção de origem e nacionalidade, classe social, etnia, concepção de mundo, valores, competências, predileções. Consequentemente, nos enquadra numa escala hierárquica de maior ou menor cota de poder e prestígio social em cada situação vivida. Como é relacional e marcada no corpo, as identidades são sensíveis aos elogios. Aquele que é merecedor do aceno por possuir atributos prestigiados, superiores, recebe estima constante por essa posse inata, hereditária. Assim, ter olhos azuis é uma benção por não ter olhos pretos, castanhos da maioria. O inverso se torna incompetência para receber notável estima. Para uma criança na escola, com sua identidade em formação, se trata de percorrer uma jornada tendo de saída o que ela tem ou não em sua condição perene, encarnada, definidora. Nos percebemos e nos constituímos não pelo que somos, mas pelo que percebemos que os outros percebem em nós. E é aí que o elogio atua poderosamente. Crianças passam a identificar – o que até então poderia ser irrelevante – que possuem distintivos a serem manuseados no jogo dos engajamentos e conflitos com o outro. Uma construção, portanto, sempre auto-hetero-reflexiva de si mesmo. Tanto mais forte é essa percepção e efeito quanto mais prestigiada for a pessoa que elogia. Não são apenas professores que detém esse poder. Como em outro exemplo corriqueiro, quando meu filho tem a cor dos olhos destacado de forma entusiástica por

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Exército boicotou operação planejada por Bruno contra garimpo ilegal no Vale do Javari

Por Hugo Souza – do Come Ananás Não foi a primeira vez que o Exército Brasileiro, via Comando Militar da Amazônia, quis fazer esta “maldade” com o indigenista Bruno Araújo Pereira: largá-lo na selva. Há três anos, em 2019, uma grande ofensiva contra o garimpo ilegal no Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista Dom Philips desapareceram, teve que ser mais de uma vez adiada devido a recusas de última hora do Exército em participar com tropas e equipamentos, após os militares passarem meses integrando a equipe de planejamento da operação. Quem também participou da equipe de planejamento daquela operação, batizada de Operação Korubo, foi o próprio Bruno, então coordenador-geral de índios isolados da Funai. Mesmo sem o Exército, a operação, deflagrada em meados de setembro daquele ano, causou um prejuízo de R$ 30 milhões aos financiadores do garimpo ilegal na Amazônia. Menos de um mês após a Korubo, no dia 4 de outubro de 2019, Bruno Araújo Pereira foi exonerado da coordenadoria de índios isolados pelo então secretário-executivo de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, Luiz Pontel. A história do boicote do Exército à Operação Korubo foi contada na época pela Agência Pública. Bruno não chegou a ser citado na reportagem. “Três dias depois de a Operação Korubo ter sido deflagrada – informou a Pública -, um grupo de parlamentares e representantes de garimpeiros da região amazônica foi recebido no Palácio do Planalto pelo ministro [da Casa Civil] Onyx Lorenzoni”. ‘A porra da árvore’ Mais alguns dias depois, em 1º de outubro de 2019 – três dias antes da exoneração de Bruno Araújo Pereira -, Bolsonaro discursou para garimpeiros em Brasília e disse assim sobre os apelos internacionais pela preservação da Amazônia: “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”. E disse assim sobre proteger o garimpo de indigenistas e jornalistas: “vocês foram felizes no tempo do Figueiredo. A legislação era outra e eu tenho de cumprir a lei. Por isso que eu digo a vocês: se tiver amparo legal, eu boto as Forças Armadas lá”. Documentos aos quais a Pública teve acesso naquela ocasião mostravam que o Comando Militar do Norte também vinha se recusando a empregar tropas em ações contra o garimpo – no Pará. Na época, o comandante militar do Norte era o general Paulo Sergio Noronha, hoje ministro da Defesa de Jair Bolsonaro – o “Escalão Superior”. Black Hawk e Hamilton Mourão Um episódio em particular envolvendo a Operação Korubo ecoa agora especialmente ignóbil, à luz do desaparecimento de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips na mesma região e da nota do Comando Militar da Amazônia participando a sociedade brasileira de que, mais de 24 horas após Bruno e Dom sumirem, o comando não havia saído em busca e salvamento por falta de “acionamento por parte do Escalão Superior”. É um episódio que também faz soar duplamente sórdida declarações sobre Bruno e Dom como esta dada nesta segunda-feira, 13, pelo vice-presidente Hamilton Mourão: “as duas pessoas entraram em uma área que é perigosa sem pedir uma escolta”. O episódio é este, contando naquela reportagem da Agência Pública: Em dado momento, para deflagrar a operação, a Funai, o Ibama e a Polícia Federal esperavam contar com um helicóptero Black Hawk do Exército para “infiltração e exfiltração de agentes e embarcações” nas áreas de garimpo ilegal. Na hora agá, porém, o Comando Militar da Amazônia refugou, talvez por “acionamento por parte do Escalão Superior”, e ofereceu apenas deixar os agentes na selva. A oferta foi recusada e a operação foi adiada. Não é possível cravar que Bruno Araújo Pereira teria embarcado naquele Black Hawk. É possível supor que sim, como represente da Funai numa operação próxima a índios isolados. Levando em conta que sim, aquela foi a primeira vez que o Exército Brasileiro, via Comando Militar da Amazônia, quis fazer esta “maldade” com o Bruno: largá-lo na selva. Não seria a última. Matéria publicada originalmente no link abaixo do Come Ananás News https://comeananas.news/exercito-boicotou-operacao-planejada-por-bruno-contra-garimpo-ilegal-no-vale-do-javari/?fbclid=IwAR0rNHfMqr6d2-GmUUsbFpsRmOAmp2enIXgB1rUB2KENDIsqpQfLV-0icGI

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