E agora, Rio? Um estado em busca de um autor [1]
CIÊNCIA POLÍTICA Por Marly Motta Mais do que em qualquer outro estado da federação, a chamada cultura pemedebista, cuja origem estaria na estrondosa vitória do PMDB nas eleições para a Assembléia Constituinte, em 1986, aqui fixou raízes. Segundo o cientista político Marcos Nobre,[2] algumas das características dessa cultura teriam marcado a Constituição de 1988, e modelado o sistema político brasileiro a partir de então. A pedra de toque explicativa é a decantada governabilidade, entendida como a necessidade de o Executivo garantir super-maiorias parlamentares para que possa exercer, de fato, os poderes constitucionais a ele conferidos. No lugar do confronto governistas x oposicionistas, característico das democracias consolidadas, prevaleceu a conciliação garantida pela força do tratoraço da chamada “base governista” sobre as oposições. A tão festejada estabilidade da política fluminense, conquistada sobretudo ao longo dos dois mandatos da dupla formada pelo governador Sergio Cabral e pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani (2007-14), foi levada de roldão pela Lava Jato, a qual inflamou o desejo da sociedade de, ao mesmo tempo, “punir os corruptos”, e “eleger não-políticos acima de qualquer suspeita”. A eleição do desconhecido juiz Wilson Witzel em 2018 não correspondeu, no entanto, a esses anseios do eleitorado fluminense. Ao contrário. Primeiro governador fluminense a sofrer um processo de impeachment, deixou evidente sua fragilidade política ao não receber sequer um voto favorável na Alerj. Onde foi parar aquela tradicional relação entre o Legislativo e o Executivo baseada em interesses mútuos, no famoso “dando que se recebe”? São muitos os aspirantes à tarefa de reorganizar e estabilizar a outrora organizada e estabilizada política fluminense. À frente do grupo dos novatos, encontra-se o governador Claudio Castro. Quem é ele? Eleito na chapa de Witzel, Castro viu cair em seu colo o governo de um estado que está, desde então, à procura de um autor capaz de escrever um enredo para esses novos tempos da política fluminense. Jovem, membro da Renovação Carismática Católica, cantor e compositor de repertório religioso, começou sua carreira no Legislativo municipal em 2004, como chefe de gabinete do vereador católico – e também cantor gospel – Marcio Pacheco (PSC). Em 2016, foi eleito vereador pelo PSC e, dois anos depois, compôs com Witzel uma chapa ao governo estadual pouco conhecida do distinto público. Dizem que ele preparava o discurso com que voltaria a assumir seu mandato de vereador, quando a dupla ganhou a eleição, e Castro se viu no cargo de vice-governador. Esta seria a primeira surpresa na vida política do dublê de cantor-vereador, logo suplantada pela inesperada ascensão ao cargo de governador em função do afastamento de Witzel. De baixo perfil, com fama de habilidoso e conciliador, Castro seguiu a cartilha do “pato novo em lago profundo” e, malgrado a ruptura de Witzel com o Planalto, procurou se aproximar do senador Flavio Bolsonaro, evitando seguir o mesmo destino que o anterior titular do cargo. Ciente da corda bamba em que se encontra, Castro adotou a máxima do pemedebismo, e rapidamente se entrosou com o presidente da Alerj, o petista André Ceciliano. Ainda na linha da fortuna, seguindo Maquiavel, Castro se viu dono dos recursos milionários oriundos da venda da Cedae. Resta saber se ele possui virtú para transformar esse capital em votos…. Quem é André Ceciliano que, apesar da pequena bancada do PT, alçou, em 2017, ao cargo estratégico de presidente da Alerj? Oriundo de Paracambi, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conquistou seu primeiro mandato na Alerj em 1998, e logo ascendeu à posição de terceiro vice-presidente da Mesa Diretora para o biênio 1999/2000. Sinalizando uma crescente tendência de voto para o PT, Ceciliano derrotou o candidato governista (PMDB) na eleição para a prefeitura do município de Paracambi. Sua reeleição, em 2004, foi garantida mediante a cassação do então empossado Flavio Campos Ferreira. Derrotado na eleição para o município vizinho de Japeri (2008), voltou para a Alerj, onde se encontra desde 2011, ao longo de três mandatos. Essa experiência parlamentar e o bom relacionamento com deputados de vários partidos permitiram que o petista galgasse, sucessivamente, a segunda vice-presidência (2015-16), a vice-presidência no biênio seguinte, e a presidência da Alerj a partir de 2017 por ocasião da licença e da prisão de Jorge Picciani. Em 2019, foi reconduzido à presidência da Casa pelos seus pares. Parece que seu projeto para 22 será conquistar a indicação para única cadeira vaga para o Senado e que, por isso mesmo, será arduamente disputada, sobretudo dentro das hostes partidárias do PT do Rio, presidido por Washington Quaquá. A ver… É certo que a pandemia complicou as articulações em curso na política fluminense, mas não impede que elas se coloquem na mesa de jogo. As incertezas são grandes em um campo tão fragmentado e carente de lideranças solidamente testadas em situações de estresse político. Temos um grupo instalado na política carioca e fluminense, comandado por Eduardo Paes, Rodrigo e César Maia e seu entorno antes ligado ao DEM-RJ, mas que tem certa dificuldade em navegar nos mares, agora revoltos, da política estadual, até então pacificados pelo PMDB. Quadro antigo do DEM-RJ, de onde foi “saído” após desentendimento com ACM Neto, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ainda não definiu seu novo partido, mas trocou de área de atuação política: a convite do governador paulista, João Doria, assumiu a pasta de Projetos e Ações Estratégicas. Perguntado sobre seu futuro eleitoral, disse que se candidataria a mais um novo mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. E completou: “Para o Rio de Janeiro, é uma demonstração de que sou um quadro importante da política nacional. É óbvio que o carioca, que sempre teve uma visão importante de Brasil, vai compreender”.[3] A conferir… Já Paes, ao trocar o DEM pelo PSD de Gilberto Kassab, se engajou na campanha a governador de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional. Ostentando em sua trajetória política apenas uma candidatura frustrada a vereador pelo PT nas eleições de 2004, Santa Cruz tem uma atuação corporativa e institucional: de 2013 a 2018, foi presidente da OAB-RJ e, no
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