A delicada questão do racismo
Por Simão Zygband Desde que me conheço por gente faz parte da minha vida, mesmo que de forma não explícita na minha cabeça, a questão do racismo. Como filho de pai e mãe, de avós, bisavós e tataravós judeus, não me restou muita alternativa a não ser assumir minha identidade judaica. Durante anos procurei negar esta ascendência para não me sentir diferente dos meninos e meninas que conviviam comigo. Afinal, sou um judeu brasileiro, que enfrenta exatamente todos os conflitos dos demais. Não queria em nada ser diferente deles. Criei-me no Bom Retiro, em São Paulo, onde havia grande concentração judaica e brincava na rua com todo tipo de gente, uma verdadeira torre de babel, onde todas as raças e religiões se misturavam. Vi no meu bairro, judeus ortodoxos usando suas vestimentas tradicionais para irem à sinagoga, com suas roupas pretas e chapéus de pele em pleno verão de 40 graus, exibindo seus “peiars”, umas tranças típicas que vertem detrás das orelhas. Os filhos deles, de fato, não se misturavam e não brincavam com a gente na rua. Tudo bem, cada um com suas tradições e manias. Um dos motivos de ter me relacionado com qualquer garoto e jovem sem distinção é por que em casa havia uma geleia geral brasileira, com uma diversidade importante: meu pai era sobrevivente do holocausto, comunista e ateu e minha mãe judia brasileira do interior de São Paulo, praticante do espiritismo kardecista. Ela era mediúnica e recebia “entidades” na minha casa, onde havia sessões espíritas. Veja quantas contradições. Meu pai a ironizava e dizia que ela recebia “alminhas”. Mas conviveram harmonicamente, apesar das diferenças. Convivi com todas estas contradições e nunca me casei com uma judia e namorei poucas delas (se é que namorei alguma). Relacionei-me com aquelas das quais eu gostei (e elas de mim), independente de raça, credo ou religião. Hoje me deparo com estas questões que para mim são verdadeiros horrores, consideradas “identitárias”. Não sei exatamente o que significa, mas detesto alguns tipos “lacrações”. Elas, em geral, são divisionistas e enfraquecem a luta popular coletiva. Mas as redes sociais (e não só elas) deram espaço para que pessoas vociferem qualquer bobagem de cunho racista, machista, misóginas, regadas de intolerância. E, o pior, não é só na direita fascista. Veja o que falou a ativista, supostamente de esquerda, Lucia Helena Issa, na TV247 no dia 20 de janeiro, onde expôs uma versão bem pouco elaborada de antissemitismo. É o que relata o grupo Judeus pela Democracia, do qual faço parte como mero participante: “Na live, intitulada “tráfico de mulheres brasileiras para Israel”, ela faz comentários conspiracionistas e revisionistas, diz que a comunidade judaica carioca fez tráfico de prostitutas, faz referência a Israel como paraíso mundial dos pedófilos, ainda dizendo que Israel é a “Terra prometida de pedófilos”, implicou que os judeus encobrem os crimes de judeus, disse que judeus não são condenados porque são ricos, saem sempre livres dos seus crimes, falou que Bolsonaro é financiado por judeus brasileiros, argentinos, israelenses, chamou todos os judeus de covardes e acusou a todos de vitimismo. Também afirmou que o sionismo tem ligação e é primo-irmão do nazismo, entre outros absurdos inacreditáveis”. E continuou: “é extremamente infeliz e, com o sinal invertido, faz coro com a extrema-direita na imagem que se pinta dos judeus e de Israel: o Judeu e Israel imaginários. Ao divulgar uma live como esta, a TV247 acaba fazendo o mesmo papel que a Folha faz ao repercutir o texto racista de Antonio Risério. Se a esquerda pretende lutar ao lado das minorias, isso precisa ser feito por TODAS elas”. O caso Antonio Risério No domingo, dia 16, o antropólogo e poeta Antonio Risério quis propor um debate na Folha de S.Paulo: não estariam alguns ideólogos do movimento antirracista e a própria mídia indo longe demais em sua vista grossa a casos de hostilidade de negros contra brancos e, com isso, em vez de combater o racismo, ajudando a ensejar novos tipos de conflitos entre grupos raciais? O antropólogo Risério disse haver um tipo de “racismo reverso”, dos negros em relação aos brancos e esta formulação foi alvo de uma tempestade de protestos, inclusive de 200 jornalistas da própria Folha, que elaboraram um documento criticando a publicação do artigo, assim como outros que eles consideram de cunho racista. “Risério merece o mesmo tratamento que os defensores da cloroquina”, disse o escritor Itamar Vieira Júnior ao jornal Estado de Minas. “Nunca houve no Brasil negros com poder oprimindo brancos. Afirmar o contrário, com anedotas, é desonesto na medida em que é cruel”, criticou o jurista Thiago Amparo, que também é colunista da Folha, em um tuíte com dezenas de milhares de curtidas. Desde a eleição de Donald Trump, Jair Bolsonaro e de todos estes fascistas é que a intolerância racial voltou com força. A antropóloga Adriana Dias identificou a ação de 530 células neonazistas no país. Ela é uma das maiores estudiosas do surgimento destes grupos de intolerantes no Brasil. Eles não gostam nem dos negros, tampouco dos judeus e dos homossexuais. São tempos perigosos que a insatisfação popular, sobretudo a dos ignorantes, acaba explodindo em intolerância. É necessário estar atento e denunciar todo aquele que prega o racismo, seja ele na forma que se manifeste. Intolerância nunca mais!
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