Miriam Waidenfeld Chaves
Novembro no Rio de Janeiro. Sol escaldante. A paisagem melada se derrete. Apenas o som da passeata atravessando a janela do quarto de Ivan parece dar sentido à cidade.
“Mariana: dois anos de impunidade” diz o cartaz que Ivan lê com esforço da janela de seu apartamento.
No Rio de Janeiro há 40 anos, esqueceu-se das montanhas que cercam sua cidade. Negras. Escavadas.
Ivan corre para a varanda e as palavras de ordem ressoam em seus ouvidos. Sente o cheiro de maresia e se lembra das discussões com seu pai já morto:
– Não sei por que essa mania de fazer faculdade no Rio de Janeiro. A engenharia daqui é excelente.
– O senhor sabe que eu quero fazer engenharia naval. E é lá no Rio que fica a melhor!
– Te conheço, Ivan. Você quer é ir embora daqui. Você detesta este lugar. Mas saiba que é com o dinheiro dessas montanhas que eu sustento essa família.
Farmacêutico, Seu Benedito havia feito uma pequena fortuna com as ações da Belgo Mineira. Depois do ouro, o minério de ferro. Era a cantilena do pai.
Nostálgico e com um uísque na mão, Ivan escuta o Grupo Uakti. Pensa em Itabira:
– Ivan! Desce da mangueira e vem almoçar! Gritava sua mãe da cozinha.
-Deixa eu ficar mais um pouquinho aqui.
-Não, filho, desce já! E Ivan descia para os braços da mãe.
– Não sei o que você tanto faz lá em cima.
– Olho as montanhas que o pai tanto ama e penso na vida. D. Elvira morria de rir com a resposta do filho e juntos entravam para a cozinha.
Gostava de Itabira. Das montanhas. Mas queria conhecer o mar. Não gostava do gênio do pai.
Depois de muita hesitação, pega o telefone e liga para o irmão que mora em Minas Gerais.
– Alô, Beto?
– Ivan?
– Sim. Como você está?
– Pô, quanto tempo! O que deu em você prá ligar assim de repente? Dispara.
– Senti saudades…
– Não sei do quê. Você saiu daqui, deu as costas prá nós. Nunca mais voltou. E ainda por cima não quer acordo. Foi na onda do Felipe…
Ivan não responde. Apenas respira fundo. Olha o mar pela janela. E Beto continua.
– Você sempre gostou daqui. Seu problema era com o papai
-É…
-Sabe, acho que você não tem é coragem de assumir. E o Felipe como testamenteiro. Um esbanjador! Esse sim, não liga prá nada! Por isso quer vender a casa. E você, longe, aí no Rio, achou mais fácil concordar com ele!
Ivan não responde.
– Nossa mãe nunca iria perdoar. E você desde aquela briga com o pai parece que mudou. Sabe o que eu acho?
– O quê?
– Você bem que podia comprar a casa. E você tem dinheiro prá isso!
– Tá certo, Beto. Agora tenho que desligar. Decide Ivan diante o tom alterado do irmão.
Já é noite. A música do Grupo Uakti, a passeata e o telefonema para Beto martelam na cabeça de Ivan.
Da janela, olha para a praia de Ipanema. Horizonte mar afora. Enxerga a mangueira, as montanhas de magnetita. Os abraços da mãe.
***
Itabira. Seis meses depois.
Ivan abre o portão. Coloca o carro na garagem. Senta no alpendre por uns minutos. Contempla a secura do canteiro. Abre a porta. Respira fundo e devagar entra na sala. Escancara as janelas e enxerga a mangueira. Esboça um leve sorriso. Sussurra:
– Amanhã subirei naquela árvore! Olharei para as montanhas. Pensarei na vida.
Miriam Waidenfeld Chaves é contista e professora da UFRJ.