Por Simão Zygband
30 de novembro se instituiu o Dia de Doar. Uma iniciativa para atenuar a gravíssima crise que o Brasil atravessa com Bolsonaro, Moro, Doria e Nunes, responsáveis diretos pela tragédia humana.
Domingo passei de carro pela praça Princesa Isabel, situada na região central de São Paulo, hoje um centro expandido da chamada Cracolândia. Esta mesma que tem uma estátua de Duque de Caxias montado imponente sobre um cavalo.
Logo me lembrei do texto do cronista Lourenço Diaféria, que amargou uma semana de cadeia, além de enfrentar um duro processo na Justiça Militar, vejam só, apenas por escrever uma crônica.
Tudo por que Diaféria, já falecido, ousou dizer durante a ditadura militar, nos anos 70, que preferia heróis verdadeiros e não aqueles imortalizados em estátuas, que servia apenas para o povo urinar em seu pedestal.
Os militares consideraram aquilo uma grave ofensa ao patrono do Exército e promoveram uma dura punição ao cronista e ao jornal em que ele trabalhava, bem nas imediações da estátua, a Folha de S.Paulo.
Gostaria de ver a reação dos militares hoje se de fato conhecessem o campo de flagelo humano em que se transformou a praça Princesa Isabel, onde se localiza a estátua imponente de Duque de Caxias montado em seu cavalo. Com certeza, transformado em um sanitário a céu aberto para atender tantos necessitados. Bolsonaro sim deveria ser preso por isso, por acelerar tanta miséria e jogar tantos brasileiros nas ruas.
O cenário é de guerra. É um acampamento de seres humanos abandonados à própria sorte, a maioria adoentados, usuários da perversa droga conhecida por crack, sob o olhar de governos extremamente cruéis, como é o do militar reformado, do governador João Doria (PSDB) e do prefeito inexistente Ricardo Nunes (MDB), um ser ineficaz que ganhou de brinde a prefeitura de São Paulo. Doria chegou a anunciar que a Cracolândia tinha acabado. Um blefe. Por que ele não vai lá ver com seus próprios olhos e tomar alguma providência?
Em meus 62 anos de idade, forjado na dureza do jornalismo diário, nunca assisti a cenas tão degradantes da desgraça humana, de cidadãos triturados pelo sistema cruel em que se transformou o nosso país nas mãos de governos de extrema direita, como vi no domingo aos pés de Duque de Caxias.
A praça está tomada por centenas de barracas de lona, de plástico, de papelões, panos, tudo que possa abrigar debaixo deles um ser humano ou até uma família inteira de excluídos.
Calculo que devam estar morando aos pés de Duque de Caxias umas cerca de mil pessoas entre idosos, mulheres, crianças, jovens, de todas as raças, credo e cores, vivendo algo semelhante ao inferno de Fausto.
Eu me pergunto como o padre Júlio Lancellotti, um herói no atendimento a tantos desvalidos, consegue reunir forças e não se sentir enxugando gelo. Ou mesmo as minhas queridas amigas que se empenham em proporcionar um aconchegante “casulo” para os moradores de rua terem um local decente para se deitar.
Dia 31 de novembro se instituiu o Dia de Doar. Uma iniciativa para atenuar (tenho a impressão, em escala muito reduzida) a gravíssima crise que o Brasil atravessa com Bolsonaro, Moro, Doria e Nunes, responsáveis diretos por toda a tragédia humana, uma crise humanitária sem precedentes.
O país tem esperança na eleição de Luíz Inácio Lula da Silva em 2022. Mas só olhar para a praça Princesa Isabel e a todos os sobreviventes do Holocausto Brasileiro (me perdoe usar o termo, Daniela Arbex) que temos a dimensão do desafio que ele irá enfrentar.
Não nos resta outra alternativa.
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Aquela região que há alguns anos era mais habitada por moradores em condições de rua e dependentes químicos se tornou uma pequena cidade dos mortos. Mortos pela falta de moradia, mortos por falta de alimento, mortos pelo descaso da sociedade e de governantes.